terça-feira, 17 de dezembro de 2013

no silêncio da fé

no silêncio da presença
uma cascata de luz
inunda o corpo
transborda pra alma

irradia energia

no silêncio da oração
o bater de asas dos anjos
arco-íris de humildade
lágrimas fluidificadas

limpeza divina

no silêncio da plenitude
ecoa a voz do alto da cruz
perdão!

lei do amor que conduz
paz
luz

no silêncio da fé
uma chuva de amor
que despertará o menino Jesus
adormecido....
no coração da humanidade

silencioso pedido
para um verdadeiro

                                [Feliz Natal!

"Escolhi um caminho. Não importam as críticas, as decepções ou as dores que terei de encarar. O caminho que eu escolhi é o do amor. É a caridade pura e simples. Nesse meu caminho, o abraço é apertado, o aperto de mão é verdadeiro e o sorriso é sincero. A missão é fazer o bem, a meta é semear o amor. É assim que eu sinto a vida. É só assim que eu acredito que valha a pena viver.
Saravá a todos!
E louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo."



sábado, 7 de dezembro de 2013

menina flor

dos versos de um tolo poeta
nasce uma menina flor
bela e majestosa
com pétalas de amor

cabelos ao vento
sorriso infantil
estrelinha que brilha
no céu azul anil

filha menina
que vem ensinar
sobre a vida
a um pai que sequer sabe rimar

e lá vai a flor de menina
em seu bailar formoso

pelas margens do rio
à beira do mar

na força da cachoeira
o povo das águas vem saudar

um pai poeta e sua menina flor
juntos com a banda de lá

semeando a paz e o amor
sob a bandeira de Oxalá

voa, pombinha branca

domingo, 1 de dezembro de 2013

Anjo Gabriel

Verão carioca. Quarenta graus de temperatura, um lindo céu azul e os aparelhos de ar condicionado implorando descanso.
 
Às 11:11 horas do dia doze de fevereiro de 2003 nasceu  o meu menino. Franzino e com grossos lábios vermelhos.
 
Enquanto os anjos festejavam sua chegada, meu coração explodia de felicidade e o suor brotava em minha testa.
 
E com a benção do Nosso Senhor, segurei meu menino nos braços. Um ato do mais puro, genuíno e simples amor.
 
Reencontro de irmãos de vidas passadas, com a graça de Deus.
 
E aquele bebê magrinho logo se transformou num menino forte com cachinhos dourados e óculos azuis. E bem falante!
 
Assim foi crescendo. Inteligente, curioso, esperto e maduro.
 
Hoje (escrevo no dia 30.11.13) é um dia muito especial para o meu menino. Ele está fazendo sua primeira comunhão.
 
Parabéns, filho. Que você possa acolher Jesus em seu coraçãozinho, colocando em prática todos os ensinamentos da Lei do Amor. Muita luz no seu caminhar.
 
E o paizinho estará sempre contigo, segurando sua mão, seja nos momentos de calmaria, seja nos momentos de tempestade.
 
Porque você será, eternamente, o meu melhor amigo; o meu amado filho; o meu pequenino menino; o meu João; o meu anjo Gabriel.
 
Te amo.
Que Deus te abençoe, hoje e sempre.     
 
 
 

domingo, 24 de novembro de 2013

Epifania

"Não sou nada.
Nunca  serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
(Fernando Pessoa)
 
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epifania
 
quero ser
não quero ter
quero desejar
não quero o poder
quero a quietude da alma
a felicidade pintada na tela
o sorriso divino da menina mais bela
 
quero a canção eterna
pra um coração que espalma
a dor que consterna
o sopro que acalma
 
quero o silêncio em pranto
a boca muda
a pele desnuda
a página em branco
 
quero o querer em pedaços
cortado em fatias
no meio, espaços
recheados com doce de leite
 
um doce deleite
eu quero
 
eu quero o sonho
da viagem mais bela
do gosto do beijo dela
da música que toca a alma
eu quero imaginar a paisagem
da janela, o carinho que acalma
 
não quero o choro
quero a lágrima interna
no brotar da nascente
que seca antes do sol poente
e de enrugar minha testa
 
não quero festa
quero festejar meu pranto
espantar meu espanto
curar a demência do que
não faz sentido, eu quero o proibido
a libido, eu não quero rir
do que não tem graça
nem sentar na praça e esperar a vida
 
não quero comida nem bebida
eu quero a fome e a sede
nada de rede nem de banho quente
a vida que me siga
pois eu vou em frente
e é pra frente que eu vou
 
eu nada tenho e apenas sou
 

domingo, 10 de novembro de 2013

Azeitonas

- Chuchu.
- Chuchu.
- Cenoura.
- Cenoura.
- Tomate.
- Tomate.
- Pimentão..
- Pi... peraí Maria Helena, e a quantidade?
- Como assim?
- Ué, quantos chuchus, cenouras, tomates...
- Ah, põe alguns.
- Não, não e não. Semana retrasada você reclamou que eu comprei pouco. Semana passada, reclamou porque eu comprei muito. Eu quero a quantidade certa, Maria Helena. Pode ir dizendo aí.
- Afffff, então compra quatro de cada, pronto, satisfeito Luiz Roberto?
- Hum. Vai.
- Desinfetante.
- Desinfetante. Qual?
- O de sempre. Sabonete.
- Sabonete. Quantos? Qual?
- Seis. Qualquer um, menos aquele seboso que você comprou da última vez.
- Foi o que você mandou comprar.
- Mas não era pra ser de pêssego! Você sabe que eu odeio pêssego.
- Você odeia comer pêssego, Maria Helena, e o sabonete não é pra comer...
- Mas e o cheiro?
- Acabou?
- Não. Papel Laminado.
- Ah não, isso não, você sabe que eu não consigo encontrar esse troço no mercado, ele se esconde de mim.
- Pergunta pra alguém.
- Eu não vou pagar esse mico. "Moça, onde fica o papel laminado?" O que vão pensar de mim? No mínimo que esse velho tá gagá, mal acha um papel laminado... Olha aqui, Maria Helena, eu tô ficando nervoso, essa lista de supermercado está ficando cada vez mais complicada, olha o que o doutor falou, eu não posso ter emoções fortes, meu coração...
-  Larga de ser fresco, Luiz Roberto. E se vira, eu preciso de papel laminado.
- Ai, o ar já tá me faltando... mais alguma coisa?
- Um vidro de azeitona verde sem caroço com um tomatinho dentro ou ketchup, sei lá, é uma coisinha vermelhinha que tem dentro e fica naquele corredor perto do palmito da Índia e do petit pois...
-
- Luiz Roberto?
-
- Luiz Roberto, você tá bem? Fala comigo Luiz Robertoooooooooooooo....... 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Uma história qualquer

Atrás daquela árvore mora uma história.

Sinto muito, mas não sei contá-la. A árvore bloqueia minha visão.

Pode ser a história de um gnomo em busca do pote de ouro, cuidadosamente guardado por duendes no final do arco-íris. Com fadas e ninfas como coadjuvantes e um besouro gigante como vilão.

Pode ser a história de uma linda menininha pobre e sua fiel companheira, uma bela bonequinha de pano suja e rasgada. Bonequinha maltrapilha, porém muito mais bela que a mais bela das bonecas de luxo das meninas ricas. Mais bela porque certamente é muito mais amada.

Pode ser a história de um menino tímido que vivia em seu quarto escuro na companhia de seus livros de poesia e gibis. De seu violão e seu jogo de botão. Um menino que de tanto querer encontrar o seu caminho, esqueceu de sonhar um sonho que não volta mais.

Pode ser a história de um grão de areia apaixonado pela lua, que se afogou no mar de suas lágrimas diante a impossibilidade de conquistar o seu amor.

Pode ser a sua história. Pode ser a história do Zé, da Maria, do João. Pode ser uma história qualquer.

Não, não pretendo subir na árvore, para descobrir qual é a verdadeira história que tem do lado de lá.

Prefiro minha visão bloqueada.

Assim, se eu estiver feliz posso escrever uma história sobre o amanhecer. Se eu estiver triste, posso tecer versos enaltecendo a beleza do anoitecer.

Com os olhos fechados, posso imaginar a história que eu quiser. 

E a árvore que eu quiser. Como aquela lá da primeira linha. Uma árvore com tronco de chocolate, galhos de banana caramelada, folhas de doce de leite, frutos de brigadeiro e sementes de confete.

E raiz de faz de conta.    

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Aerosmith, vinte anos depois

Janeiro de 1994.
Praça da Apoteose. Hollywood Rock.
Show principal: Aerosmith.

Verão. Dezoito anos de idade, terceiro ano da faculdade de Direito. Tênis, bermuda e camiseta. A vida pedia passagem, a imagem refletida no espelho era gente boa e a boca do Steven Tyler engolia o mundo.

Numa época em que celular era artigo de luxo e rede social não passava de uma roda de amigos reunidos na mesa de um bar, todos éramos felizes e vivíamos como se não houvesse amanhã.

Sim, a Jane já tinha uma arma e ela nunca mais seria a mesma (Jane's got a gun). Fazia-se amor até dentro de um elevador (Love in a elevator). Vivíamos no limite da mesada de nossos pais (Livin' On the edge). E sonhávamos que nossos sonhos se tornariam realidade (Dream On).

Aos dezoito anos as desilusões amorosas eram exacerbadas, e eu catei Cryin' chorando.

Outubro de 2013.
Praça da Apoteose.
Show principal: Aerosmith

Primavera. Trinta e sete anos de idade, quinze anos de advocacia. Tênis, calça jeans, camiseta, capa de chuva e óculos de grau. A vida pede reflexão e a imagem refletida no espelho já desistiu de mim.

Como todo mundo, filmei algumas partes do show com o smartphone, tirei fotos e postei (um verbo transitivo direto que não existia em 1994) no Facebook. Somos felizes (afinal, ser infeliz é considerado um crime perante a sociedade atual) e vivemos... bem, vivemos já no amanhã.

Sim, a Jane continua tendo uma arma e sua vida continua não sendo a mesma. Hoje faz-se de tudo: amor, sexo e outras coisas bizarras. Até dentro do elevador. Vivemos no limite do cheque especial. E os nossos sonhos... muitos ainda estão no aguardo.

Aos trinta e sete anos as desilusões amorosas continuam sendo desilusões amorosas. Novamente cantei Cryin'. Mas desta vez não chorei. A água que escorria em meu rosto eram apenas os pingos da chuva. Ou, pelo menos, preferi pensar assim.

O que nos leva a conclusão de que nem tudo muda em vinte anos.
E que algumas coisas não mudarão nunca. Como a boca do Steven Tyler, que continuará engolindo o mundo.

"I was cryin' when I met you
Now I'm tryin to forget you
your love is sweet, misery
I was cryin' just to get you
Now I´m dyin' cause I let you
Do what you do-down on me"

(Eu estava chorando quando te conheci
Agora estou tentando te esquecer
O seu amor é uma doce miséria
Eu estava chorando pra te ganhar
Agora estou morrendo porque te deixei
Fazer o que você faz - pra me deixar mal)

O show? Ora, era o Aerosmith! Alma lavada pelo Rock´n´Roll e pelo dilúvio que caiu na cidade.
Salvem Steven Tyler e Joe Perry!
Eparrei Yansã!
 


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O fim, em três atos.

"O amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação."
"A paixão é uma perturbação da tranquilidade da alma."
                                                                                           (Rubem Alves)

1º ato: O início do fim (fotografia)

um calçadão
uma praia
um banco de concreto

um homem
uma mulher
um só corpo

no céu uma lua
no ar um silêncio
nos olhos tristeza

duas vidas paralelas
um amanhã no passado
beijos imortalizados

dois quereres
e um vazio

um ponto final no pra sempre.

2º ato: O fim (Alice na vida real)

antítese do meu eu
anjo de asas negras
portador da alegria
                   [sem sorriso
ignora o coração

crime perfeito desvendado
veredicto: culpado
por amar demais...

a pena, um hiato
de horas sem minutos
um pra sempre abortado

lágrima filha do abandono
amor afogado pelo esquecimento

uma Alice que não sonha
cria uma rainha de copas invencível
e um coelho branco sem relógios

no fim
o chapeleiro enlouquece.

3º ato: Depois do fim (o nada)

Eu queria te dar o verso mais lindo...
Escrito com as palavras mais belas.
Eu queria te dar um verso sorrindo...
Junto com um buquê de rosas amarelas.

Eu queria te dar o amor mais bonito.

Eu queria...
E tudo que eu tenho agora,
É o nada em minhas mãos vazias,
Para alguém que já foi embora...

Epílogo (sol)

Entre o adormecer da lua
E o despertar do sol
Surgirá uma
                  [menina bonita
Que entrará pela porta da frente
De um novo primeiro verso...

A poesia se renova.
Afinal, para que servem os poetas?




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A desenhista da praia

Quando ela chegou desfilando com sua bonita saia azul de crochê e o chapéu bordado, foi logo providenciando seu assento e sua sombra.

O sol estava escaldante e a pequena sombra redonda emanada da barraca era o local mais valioso da praia.

Após se livrar da bonita saia azul, sentou-se e abriu um pequeno caderno, pousando-o delicadamente sobre seu colo. Retirou de dentro da bolsa de palha um lápis, manuseado pela mão direita, que o pôs para trabalhar.

Rabisco para cima, rabisco para baixo. Da minha cadeira eu a observava e curioso ficava. Seus olhos, ora pousavam no caderninho, ora miravam seu modelo.

Consegui identificar o rosto da criança que cavava um buraco na beira do mar. Um homem sentado de costas, com as mãos para trás apoiadas na areia. Uma mulher com seus longos cabelos negros caídos sobre seu ombro esquerdo. Um vendedor com seus galões de mate e limonada.

O lápis trabalhava freneticamente, retirando o branco das páginas do caderninho, cujas folhas iam sendo viradas conforme o desenho se findava.

Passatempo, hobby, diversão ou profissão. Que mistério guardava a menina desenhista, que ao meu lado retratava os personagens que se apresentavam naquele palco da vida, e que sequer imaginavam que suas caricaturas estavam sendo criadas e materializadas - e talvez eternizadas - num caderninho, cuja morada, quem sabe, o fará vizinho de vários outros caderninhos, contendo vários outros personagens que já se apresentaram em vários outros palcos da vida.

Cinquenta minutos já havia se passado, e o lápis continuava seu itinerário louco, pela estrada branca das páginas do caderno, quando, de repente, o mesmo foi atirado de volta para dentro da bolsa de palha. Ato contínuo, o caderno foi fechado e colocado com cuidado na mesma bolsa, fazendo companhia ao seu amigo que lhe dá conteúdo.

E então, subitamente, sem tomar um banho de mar sequer; sem beber uma água de coco sequer; sem comer um biscoito Globo sequer; a artista de rua se levanta, veste a bela saia azul de crochê, calça as havaianas, pendura a bolsa de palha no ombro e com seu chapéu bordado na mão esquerda, vai embora.

E leva com ela toda a graça daquela praia, cuja essência ficou rabiscada num caderninho, e agora, tal qual uma fotografia em preto e branco, não consigo enxergar mais o colorido que supostamente existia antes de sua chegada. A praia se foi nas páginas daquele caderno.

Nada mais me resta, senão ir embora. E meus olhos fazem às vezes daquele lápis: rabiscam em minha mente o esboço de uma menina desenhista, vestida com uma bonita saia de crochê azul e chapéu bordado, desenhando poesia ao transformar a vida real em imaginação, combinando a arte com o coração, tudo num caderninho, que um dia ficará perdido, talvez, em algum lugar do passado.  

 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ipês amarelos

Quem costuma dar uma espiada nas bobagens que escrevo, já deve ter lido alguma coisa sobre o meu fascínio pelas árvores.

Pois é, acreditem, elas existem. Estão espalhadas por toda a cidade, terra essa que era absolutamente tomada pela mais bela Mata Atlântica, antes de ser devastada pela civilização.

Mas notar a presença das árvores constitui tarefa para poucos. Nossos olhos não estão treinados para contemplá-las. As ignoramos na maioria das vezes, com nossa visão imediatista, tomada com os problemas do dia a dia, fincados no nosso mundo materialista.

Em que momento de nossas vidas deixamos de ver as árvores? Simples. No exato instante em que nos tornamos adultos.

São as crianças que veem as coisas, porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto e admiração. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas - as mais maravilhosas, como as árvores - ficam banais.

Ser adulto é ser cego. E isso é um problema.

Porque os olhos são a lâmpada do corpo. Se os olhos forem bons, o mundo será belo. Se os olhos forem maus, o mundo será feio.

O Paraíso mora dentro dos olhos.

Eu voltei a enxergar as árvores. 

E um dia, quando perguntarem quem eu fui nessa vida, gostaria que alguém dissesse: ele foi um homem que abraçava árvores. E que amava os ipês amarelos...
    

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Primavera em preto e branco

a porta me bate a cara
acordo nas sombras da agonia
os olhos cerrados despertam as trevas
o corpo se nega a entender
o corte que transpassa a alma
correria tropeço desespero
não saio do lugar
a dor nasce num coração
que não merece chorar
a tristeza cresce em olhos
que não merecem parar de brilhar
o espírito demente anda a esmo
em meio a escuridão
busca sair da contramão da resignação
entender o que se passa com a vida
transformada abruptamente
num labirinto sem saída
janela sem vista para o mar
sem direção a tomar eu vou
sem saber o que fazer e onde estou
seguindo sendo o eu que ainda não sou
espero a porta abrir apenas e tão somente
                                           [para respirar

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Rosa despetalada

A tristeza da minha poesia

É tão bela quanto a nostalgia.

A felicidade não precisa de versos,

Nem de roupagem. É bela nua, despida.

Já a tristeza, para ganhar a beleza,

Há que cobri-la com palavras, coitada.

Não passa de uma rosa despetalada,

Onde o poeta, com todo o cuidado,

Repõe suas pétalas com palavras, lado a lado.

A tristeza da minha poesia

É tão bela quanto a noite que encobre o dia.

Poesia triste e tão bela.

Tão bela e tão minha.

Que se a entenderes sem que tua alegria diminua.

Sem que a cor suma do teu dia,

Poderia a fazer tão sua,

Quanto minha.

A bela tristeza de minha poesia.

domingo, 1 de setembro de 2013

Viva la vida!

Primeiro de Setembro de 2013.
Pracinha Xavier de Brito.
 
São dez horas da manhã de um domingo ensolarado e inicio minha caminhada na praça acima mencionada.
 
Short, tênis, camiseta, óculos escuros e fone de ouvido. Com a companhia da Marisa Monte vou em frente.
 
"Vai sem direção, vai ser livre..." Por enquanto vou andando em círculos. A praça é redonda e a pista a acompanha.
 
Minha atenção é voltada para o interior da praça. Vejo muitos pais com os filhos. As crianças brincam enquanto os pais conversam sobre futebol. As mães falam sobre os filhos e suas fraldas. Vejo um espaço destinado aos cães que correm e brincam como crianças e seus donos em conversas caninas.
 
Os velhinhos jogam buraco nos bancos da praça. As velhinhas dizem "no meu tempo era assim..." Os jovens se exibem e comentam sobre as "periguetes" que eles "pegaram" nos bailes funk e pagodes da vida.
 
"Verdade, uma ilusão, vinda do coração..." Vejo uma feirinha com suas simpáticas barraquinhas vendendo artesanato e roupas. Uma blusa diz" "Eu amo o Rio." Eu também. Numa outra barraca, cartazes explicam os benefícios para a pessoa virar vegetariana.
 
"Quando eu te ligar cantando aquela velha canção..." Passa  uma menina bonita por mim e o motorista do carro ao lado buzina e grita: "Gostosa!" Vejo um sorriso de canto de boca nascer no rosto da guria. E vejo árvores. Uma em especial, no centro da praça, reinando majestosa sobre todas as demais. Não resisto e vou até ela lhe dar um abraço. Sim, eu abraço árvores. Indiferente aos olhares curiosos e pensamentos das pessoas que se deparam com um louco abraçando uma árvore.
 
"Descalço no parque sozinho eu estou a esperar por você, meu amor..." Avisto uma seita religiosa ou filosófica, sei lá. Todos de branco. O cartaz anuncia: "O universo em desencanto: o homem é um ser sem destino que nasce em cima de uma terra sem saber porque nem para quê. Nesta obra você terá a resposta."
 
"O que você quer saber de verdade..." Em outros tempos eu teria ido lá saber a tal resposta.
 
Hoje, não.
 
A filosofia já me confundiu muito. Chega. Prefiro as respostas simples. Por que existimos? Simples.
 
Talvez seja para levar o filho ou o cachorro para brincar na pracinha. Para conversar sobre futebol ou fraldas. Para jogar buraco no banco da praça ou falar "no meu tempo era assim..."
 
Talvez seja para "pegar periguetes" no baile funk" Para gritar "gostosa!" para uma menina bonita. Ou vestir uma camiseta declarando o amor pelo Rio.
 
"Ainda bem, que agora encontrei você..." Talvez seja para abraçar uma árvore. Para virar vegetariano num dado momento da vida. Ou para andar em círculos em volta de uma praça e escrever uma crônica sobre o porquê da existência humana.
 
Talvez seja simplesmente para viver.
 
"Tão longa a estrada, tão longa a sina, tão curta a vida.
Tão largo o céu, tão largo o mar, tão curta a vida.
Curta a vida!"
 
Universo em desencanto? Tô fora, respeitosamente. Fico com a Marisa. Por que existimos? Para viver a vida que é curta. Então, curta a vida!
 
E que venha a primavera...
 
        

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Diálogo entre pai e filho VI: o segredo terrível

- Pai, eu tenho uma coisa muito séria para te contar.

Pois é. O tempo foi passando e levando com ele as frases interrogativas do João. Agora, ele não faz mais perguntas. Ele já traz o caso pronto. Com início, meio e fim.

Não sei. Apesar da dificuldade que eu sempre tive para dissertar sobre as curiosidades mundanas do João, o fato é que eu me divertia com elas. E exercitava minha criatividade em busca de respostas tão sem sentido quanto as perguntas.

Ou seja: um papo de loucos, esses diálogos, sempre rendendo bons momentos.

Mas o tempo passou e o diálogo se transformou num monólogo. Só o João fala. E eu - ai de mim! - tento acompanhar o raciocínio do menino.

Tento. Juro que tento. Mas quando ele começa a falar sobre seus feitos nos games, eu viajo na maionese (alguém ainda usa essa gíria?). O fato é que os jogos do computador estão cada vez mais complicados. Eu olho para a tela do notebook, quando ele está jogando, e não entendo nada. NADA!

Outro dia fui apresentado ao Social Empires, jogo do Facebook.

- Pai, é muito simples, você comanda o exército da cidade, então é só orientar os homens, não deixando ninguém se machucar, e encarar os exércitos inimigos. É só ter estratégia!

Não entendi nada.

Ia contar a ele que, na sua idade, eu só jogava Pacman e River Raid no Atari, mas achei melhor deixar pra lá.

Enfim, os monólogos do João estão cheios de estratégias das quais eu desconheço e sequer consigo me lembrar para descrever nestas crônicas.

Mas teve uma história que me fez rir. E me fazer rir às oito horas da manhã, parado no engarrafamento do Rebouças, não é pra qualquer um.

- Pai, eu tenho uma coisa muito séria para te contar.
- Fala, filho.
- Sabe essas mulheres lindíssimas, que nos deixam completamente apaixonados, nas nuvens e conquistam os nossos corações?
- Sei.
- Elas escondem um segredo terrível!
- ????
- Uma vez por mês elas sangram e usam um absorvente na calcinha. Que nojo!

É. Tem monólogos que salvam o dia.   

domingo, 18 de agosto de 2013

A partida de buraco

Partidas de buraco, com (ou sem) bebida alcóolica, costumam não dar muito certo. Se os jogadores são casais, então, complica ainda mais. Se o casal forma a dupla, danou-se.
 
Mas neste conto, quem brigou não foi nenhum casal. Foram os homens. A coisa se deu mais ou menos assim:
 
Breno e Joana convidaram um casal de amigos, Vânia e Léo, para uma partidinha de buraco.
 
Não, não é bem assim. Joana e Vânia é que são amigas de longa data. Se conheceram na escola e nunca mais se desgrudaram. Mas os maridos nunca se deram.
 
O Léo foi contrariado. Realmente não ia com a cara do Breno.
 
- Sujeito arrogante. Se acha o bom, o sabe-tudo. Sobre qualquer assunto. Como todo engenheiro. Eita raça metida!
- Ah! amor, não exagera...
- Exagerado, eu? Lembra daquela viagem, em que ele discutiu com a guia do museu? Que ela estava errada quanto a data de nascimento do terceiro filho de D. Pedro I? Por Deus, Vânia, por que uma pessoa vai querer saber ao certo a data de nascimento do terceiro filho de D. Pedro I? E brigar com a guia na frente de todos os turistas, por causa disso? Ave Maria!
-Ele só estava tentando ajudar.
-Sei.
 
E lá foram eles para a tal noite de carteado.
 
Cumprimentos de praxe:
 
- Vânia, como você emagreceu!
- Você acha mesmo, Joana? Ah! são seus olhos.
- E aí Léo, beleza?
- Até agora, tudo.
 
E começa o jogo. Os casais formavam as duplas. A coisa estava indo bem, até o Léo se irritar. O motivo: Breno comprava todas as mesas.
 
- Sem querer ser desagradável, Breno, mas a probabilidade de todas, e quando digo todas, eu quero dizer TODAS, enfim, a probabilidade de todas as cartas jogadas fora servirem pra você, cara, é ZERO!
- Meu amigo, por incrível que pareça, você tem razão.
- Então, para de comprar a porra da mesa!
- Calma, amor, é só um jogo.
- Ah!, não liga não, o Breno é assim mesmo, ele sempre compra a mesa toda, diz que é uma tática, não é, benzinho?
- Exato, Joaninha querida, mas nem todas as pessoas conseguem alcançar este raciocínio, sabe como é, uma questão de QI.
 
A situação estava ficando tensa. Léo entornava um copo de cerveja atrás do outro. Na décima vez em que o Breno pegou a mesa, ele não se aguentou.
 
- Tática, QI, seja lá o que for, o fato é que você já está usando as duas mãos para segurar suas cartas. Mais uma rodada e você, meu caro Einstein, estará com metade do baralho na sua mão. Se você não percebeu ainda, as cartas para comprar estão acabando, e alguém vai ficar sem o morto.
- Arrá! Vânia, seu marido está evoluindo. No campo da inteligência, quero dizer. Joaninha, meu amor, pelos meus cálculos você vai bater agora e os nossos rivais ficarão sem o morto.
 
Dito e feito. Joana bateu e pegou o morto. E quando Breno fez menção de pegar o outro morto para colocar no meio da mesa, Léo deu um pulo e segurou sua mão.
 
- Se você ousar tocar no meu morto, vai dar merda!
- Leozinho, meu amor, solta a mão do Breno!
- Que é isso, meu camarada, as cartas para comprar acabaram, pela regra o morto tem que entrar...
- As cartas acabaram porque você comprou TODAS as mesas e trancou o jogo de todo mundo.
- Mas a regra não me proíbe de comprar todas as mesas.
- Mas o bom-senso, a civilidade, as regras de boa-convivência, a educação e o cavalheirismo proíbem. Entretanto, você desconhece estas palavras, não é mesmo Breno, porque pessoas como você...
- Peraí, você está me ofendendo dentro da minha própria casa? Pessoas como eu o quê?
 
Nesta altura os dois já estavam de pé. Metade das cartas já tinha caído da mesa. O jogo já era.
 
Tensão. Saia justa. Climão.
 
A Vânia mordia suas cartas. A Joana tentava convencê-los a trocar a cerveja por um suquinho de maracujá.
 
- Pessoas como você..., repetia Léo.
- Fala, Léo, como eu o quê?
- Pessoas como você que decoram as datas de nascimento dos filhos de D. Pedro I, tem todo o direito de comprar todo o lixo de um jogo de buraco!
 
Silêncio total.
 
Depois de algum tempo, Breno se sentou. Léo também. Beberam um gole grande de cerveja. Um não tirava os olhos do outro. Os semblantes fechados.
 
Joana, ainda com a jarra de suco de maracujá na mão, quebrou o silêncio.
 
- Queridos, tá passando um show ótimo da Ivete Sangalo na TV, vamos ver?
- Adoro Ivete!, emendou Vânia, já puxando Léo para a poltrona em frente a TV.
 
Terminaram a noite vendo a Ivete, com a Vânia e a Joana cantando e dançando todas as músicas. Breno e Léo sentados e calados.
 
Se despediram. Os caras com um frio "falou", com o qual o outro retrucou "valeu".
 
No carro, Vânia perguntou ao Léo o que ele queria dizer com aquilo.
 
- Sei lá, foi o que veio na cabeça, na hora.
 
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Quando Léo e Vânia saíram, desconfiado, Breno foi para o computador.
 
Digitou no Google: jogo de buraco regras. Não, não achou nada relacionado a quem teria direito de comprar todo o lixo.
 
- Que Diabos o Léo queria dizer com aquilo?
 
A pergunta martelou em sua cabeça durante muito tempo. E Breno não conseguiu encontrar uma resposta.
 
Mas, pelo sim, pelo não, a partir daquele dia, nunca mais comprou uma carta da mesa sequer.   
 
 
 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Quando eu era menino pequeno...


Quando eu era menino pequeno, eu queria ser igual ao meu pai.

Queria ser Flamengo.

Queria dirigir um opala bege.

Queria usar terno e gravata.

E óculos.

 

Quando eu era menino pequeno, eu queria ser igual ao meu pai.

Queria ser espírita (sequer sabia o que era isso).

Queria sentar na cabeceira da mesa.

Queria ter uma casa grande com dois andares.

E uma garagem.

 

Quando eu era menino pequeno, eu queria ser um pai igual ao meu pai.

Que ama com a mesma intensidade seus diferentes filhos.

Que é amado com a mesma intensidade por seus diferentes filhos.

Que dá a atenção e o carinho que cada um deles necessita.

 

Hoje eu me tornei um homem grande.

Sou Flamengo, espírita, uso óculos, terno e gravata.

E tento ser para os meus filhos pelo menos metade do que meu pai foi e é para mim.

 

Pois se eu sou o que eu sou hoje, é só porque eu queria ser igual a ele.
 
E continuo querendo ser. Sempre. O meu espelho, o meu guia, o meu farol.

O meu pai.
 

A cabeceira da mesa eu dispenso. Porque será sempre dele.

 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Inverno sombrio


O dia: uma segunda-feira em meio ao inverno.

A hora: por volta das nove da manhã.

O lugar: cadeira do ônibus da linha 226 (Grajaú / Carioca).

Os personagens: este pobre narrador e a mulher ao seu lado.

O fato: Quando o celular da mulher sentada ao meu lado começou a cantar “Pre-pa-ra, que agora é hora... ” pressenti que o que viria depois não seria muito agradável. Mas não esperava nada igual a isso.


“ Alô. Quié Vanessa, não vem me encher o saco de novo com essa história de fotografia para modelo. Esse cara não presta, não vale nada, tá de caô pra cima de você. Eu já te falei pra você que não vou deixar e pronto. Quê? Teu pai? Tu não vai fala nada pro imprestável do teu pai, olha aqui menina, aquele cachaceiro não serve pra nada, tu mermo já falou isso e agora vai pedir pra ele? Como é tu já pediu? Ele deu ?! Mas tu é muito abusada mermo, né ? Mas eu vô mete a mão na cara deste cafajeste, pagá a tua pensão quié bom nada, aí ele acha que tem autoridade pra te deixá fazer o que não pode, desgraçado ... e escuta aqui menina tu não vai tirar essa foto tá me ouvindo... Tu quer dinheiro pra quê? Pra pintá o cabelo de louro? Tu endoidô garota? Tu é criola, vai pintá esse pichaim de louro, vai ficar com cara de quenga!!! Alias pra que qui é mermo essas foto ?

Vanessa, eu vô sair mais cedo do trabalho, tu me espera em casa que a gente vamo conversar sério... e avisa pro infeliz do teu pai que vô cobrar a pensão do desgraçado na justiça. E tu tá de castigo!! Um mês no mínimo sem baile funk!!”

 
O fim (enfim): Quando ela desligou o celular, ameaçou falar alguma coisa comigo, mas dei um pulo da cadeira, levantei e desci do ônibus.
 
Eram uns dois pontos antes do meu, mas a caminhada iria me fazer bem.

 

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A dama de vermelho

Você está sentado no ônibus, mochila no colo e um livro aberto sobre ela.
 
A dama de vestido vermelho adentra o coletivo. Cabelos negros, pele alva. Linda!
 
Ela passa pela roleta e olha as cadeiras. Várias vazias. Muitas opções. Então, ela te vê. E caminha em sua direção. Senta ao seu lado, coloca a bolsa no colo e abre um livro.
 
Pronto: a cadeira em que vocês estão sentados se torna o Real Gabinete Português de Leitura.
 
Mas você não consegue ler mais nada. Fica ali olhando para a página do livro e de vez em quando repousa o olhar nas mãos dela, as longas unhas pintadas de vermelho combinando com o vestido e realçando sua pele branca.
 
Sua imaginação ganha asas, enquanto sua coxa vai roçando na dela ao longo da viagem, conforme o ônibus vai sacudindo.
 
- Já li este livro.
- Você gosta de Ken Follet?
- É meu romancista favorito.
- O meu também!
- Os Pilares da Terra. Pra mim, o melhor.
- Pra mim também! Eu AMO este livro!
- Código Explosivo: de tirar o fôlego.
- Esse eu não li. Me conta do que se trata?
- No seu apê ou no meu?
 
- Soube que este livro vai virar filme.
- Jura? Então vou terminar logo, não consigo ler o livro depois de ver o filme.
- É só não ver o filme.
- Não consigo, AMO cinema.
- Eu também. Já viu o último filme do Woody Allen?
- Não. Eu AMO Woody Allen!
- Comprei o DVD. Tá a fim de assistir?
- No seu apê ou no meu?
 
- Coldplay.
- Hein?
- A banda preferida do Ken Follet. Também gosto muito.
- Eu AMO Coldplay.
- Eu tenho todos os CD´s. E o último DVD com a turnê atual.
- Adoraria assistir.
- No seu apê ou no meu?
 
Você percebe, subitamente, que seu ponto está chegando e ela já virou cinco vezes a página do livro, enquanto você continua olhando a mesma página, desde que ela sentou ao seu lado.
 
Você pensa que ela deve estar te achando um idiota, quando você se dá conta que está - ou estava - lendo um livro de poesias. Aí você tem certeza que ela está te achando um idiota, afinal, quem lê poesia hoje em dia?!
 
Você sofre quando percebe que em alguns segundos sairá do ônibus e nunca mais verá a dama de vermelho. E ela se tornará uma prazerosa lembrança que o tempo se encarregará de apagar da sua memória.
 
Ou não.
 
- Com licença.
- Já vai?
- Chegou o meu ponto.
- Que pena!
- Foi um prazer ler ao seu lado.
- Podemos repetir.
- No seu apê ou no meu?
 
   

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Janaina

Vendo o balanço do mar,
Na beira da praia,
Comecei a chorar.

Sob o céu de Oxalá,
E os pés descalços na areia,
As lágrimas começaram a rolar.

Vendo o balanço do mar,
Na beira da praia,
Comecei a cantar.

"Vem Janaina, vem cá.
Vem receber essas flores,
Que eu vim lhe ofertar."

Vendo o balanço do mar,
Na beira da praia,
Comecei a rezar.

Pedi a Yemanjá
Que levasse a tristeza embora,
Para o fundo do mar.

E as ondas vieram beijar
Os meus pés descalços.
Agradeci e continuei a rogar.

"Vem Janaina, vem cá.
Vem receber essas flores,
Que eu vim lhe ofertar."

Então eu avistei
Um retrato na areia.
Era mamãe sereia,
Que veio me abençoar.

Odoyá Yemanjá!

domingo, 23 de junho de 2013

"Monstro"

Brasília, quinze de junho de 2013.
 
A copa das confederações vai começar. As primeiras imagens do Mané Garrincha que aparecem na TV não mostram jogadores. Mostram manifestantes fazendo protestos em frente ao estádio. Ouço alguém mencionar a sigla MPL. Descubro depois que significa Movimento do passe livre. Começa a brincadeira. "O monstro vai para as ruas."
 
Aumento da passagem de ônibus? Pano de fundo. O Brasil nas ruas. "Manifestação no Rio reúne 300 mil e acaba em confusão generalizada." Estudantes, trabalhadores, classe média. Todos juntos numa só direção. "Vem pra rua, vem." "Ah, eu sou brasileiro com muito orgulho e muito amor." Acordaram o monstro adormecido!
 
Surgem os vândalos. "Perseguição na Bahia." "Tentativa de furto no RS." "Covardia em Pernambuco." "Itamaraty sob ataque." Saques numa concessionário no Rio." A polícia não dá conta. "Policiais são acusados de não distinguirem vândalos de manifestantes pacíficos." O monstro tem duas caras? Dupla personalidade?  
 
Facebook: "O governo é o reflexo da sociedade." "O vândalo que quebra é filho do governo que rouba." "Há alguns meses estavam todos de mãos dadas com o governador e o prefeito lutando pelos royaltes e agora depredam suas residências oficiais." "Todos os políticos são iguais. Situação e oposição, ninguém presta."
 
Então, como é que faz? "O povo não deve temer seu Estado. O Estado é que deve temer seu povo." Surgem as máscaras do anarquista V.  Então é isso? Partiremos para a ausência de governo? Todo o poder nas mãos do povo. Afinal, nossa sociedade é um primor de ética e moral. Não existe corrupção, ambição e mau-caratismo em nenhum setor da sociedade. "O governo é um reflexo da sociedade." "Todos os politicos são iguais." Então, como é que faz? Solta o monstro nas ruas?
 
O que queremos mesmo? Ah, sim, serviços públicos decentes. O que não queremos? Corrupção e inflação. Impunidade. Queremos que o Ministério Público não perca seu papel de investigar os crimes, a roubalheira no Congresso. "Não à PEC37."
 
Queríamos a copa. "Tudo bancado pela iniciativa privada, sem dinheiro público, deixando um importante legado para o país", prometeu um popular ex-presidente que hoje serve de mão do rei (vide Game of Thrones). Mas as empresas privadas sumiram. E com ela o tal legado. E 27 bilhões de reais (dinheiro público), foram para a construção de estádios. Afinal, "uma copa se faz com estádios e não com hospitais", segundo nosso fenomenal garoto propaganda. Facebook: "avisa ao Ronaldo que uma suruba se faz com mulheres e não com travestis."
 
Mas veio a presidentA em cadeia nacional e nos tranquilizou: esse dinheiro é "financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios." Ah, bom, se é assim, tudo bem, afinal os estádios construídos em Manaus, Cuiabá, Natal e outros têm grande potencial de gerar receitas. Beleza.
 
Retorno ao facebook, local que passei a habitar diante dos últimos acontecimentos. Vejo a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade com um cartaz ao lado: "No meio do caminho tinha uma copa. Numa copa, encontramos o caminho.
 
Caminho para onde? Voltaram atrás quanto ao aumento da passagem. O tal do MPL se sentiu vitorioso, anuncia que seu objetivo foi atendido e não organizará mais manifestações. Ok. Só falta resolver o problema da corrupção, dos serviços públicos, da inflação.
 
Novamente a presidentA veio nos socorrer, prometendo resolver isso tudo. Tive a sensação de já ter ouvido 80% do conteúdo desse seu pronunciamento na campanha eleitoral. Esta impressão acabou, quando li que seu discurso foi escrito pelo marqueteiro João Santana e pelo... Mercadante. Aí tive certeza.
 
Enquanto isso o time reserva da Espanha faz 10 a zero no Taiti (quem?) e o Neymar resolve voltar a jogar bola.
 
A Itália pede dispensa da copa alegando insegurança (tem um monstro nas ruas!)  e já planejam levar a copa do mundo para os EUA. "Mentira, boato, invenção!" dispara a Fifa, atual dona do país.
 
Um pastor de viés racista e homofóbico que assumiu nada mais, nada menos que a presidência da Comissão de Direitos Humanos na Câmara, afirmou que, se o governo não apoiar o projeto de lei que visa "curar" os gays, ficará sem o voto de seu rebanho, no caso, os evangélicos.
 
As redes sociais não perdoam: a) "Não fui trabalhar. Estou com gay." b) "Se o tratamento para curar os gays for pelo SUS, todos morrerão viados." c) "O INSS vai aposentar por invalidez os gays não curados?"
 
Voltando a presidentA. Em seu discurso, ela prometeu ouvir todas as vozes das ruas. "É a cidadania e não poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar." Ela quer ouvir o monstro. Talvez Eremildo, o idiota, tenha acreditado. Com a palavra, Elio Gaspari.
 
No momento, o monstro deu uma trégua. E deixou apenas seu lado selvagem de fora: os vândalos. Então, já virou caso de polícia, segurança pública. "Exército pode ser usado", afirma Beltrame. Claro, o exército. Tava demorando. Que tal chamar o Capitão Nascimento?
 
Bem, as passagens já baixaram. Tá pintando um Brasil e Espanha na final. O Papa vem aí.
 
O que queremos mesmo? Talvez um pé-de-moleque, um quentão, um salsichão, uma cervejinha com pagode. E viva São João!
 
Porque nenhum monstro é de ferro.
   

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Allons enfants de la patrie. Marchons!

Protestar? Por quê?
 
Por pouca coisa. Senão, vejamos.
 
Um Legislativo contaminado por senhores feudais escravocratas; líderes religiosos pregando um falso moralismo e tentando impor suas crenças ortodoxas que não encontram lugar na sociedade moderna, tudo em nome de algum Deus; criminosos de terno e gravata que mal conhecem as cláusulas pétreas de uma carta magna por diversas vezes rasgada por "interesses maiores". Uma função estatal podre em sua essência, que padece da pior doença possível: a fome desmesurada de poder, vaidade e dinheiro. E que dá sustentação a um Executivo tão enfermo quanto.
 
A inflação que veio para ficar. As compras de supermercado. O preço da gasolina. O dólar subindo. As ações da Petrobrás e da Vale caindo. O poder de compra ficando cada vez mais diminuto.
 
Os hospitais públicos: um retrato do Inferno retratado na Divina Comédia de Dante Alighieri. As escolas públicas: para que educar o povo? O povo não precisa ter educação, cultura. O povo não precisa pensar. O povo precisa de futebol, pagode, funk, cerveja e novela. E bolsa-família e outros trocados dados generosamente por este inteligentíssimo governo "socialista", que construiu um projeto de poder "nunca antes visto na história deste país."
 
E bilhões de dinheiro público (meu, seu, nosso) vão para a construção de estádios, sendo que alguns deles em lugares onde não há sequer futebol. E não é piada de português.
 
As faculdades despejam milhares de doutores desempregados por ano, que em função dos baixos salários da iniciativa privada, tentam concurso público. Ou viram taxistas. É o que resta.
 
Iptu, Ipva, IR, Iss, Icms, Itbi... A escola tem que ser particular. Temos que pagar planos de saúde caríssimos, planos de previdência privada. Nossos condomínios têm que ter todos os sistemas de segurança disponíveis, portaria 24 horas. Luz e gás aumentando todo ano. 10% de juros no cheque especial. E o rendimento da poupança... 
 
De fato, há pouca coisa para protestar. Melhor assistir a Nigéria e Taiti. Sem o direito de xingar o juiz ou a presidenta. É falta de respeito.
 
20 centavos: um valor tão insignificante. Mas, talvéz, representem as abençoadas gotas de água que faltavam para transbordar o copo.
 
Que as passeatas continuem! Sem violência. Sem bandeiras de partidos políticos oportunistas. Sem centrais sindicais. Sem a UNE. Sem líderes religiosos. Uma manifestação essencialmente popular.
 
Oxalá os protestos repercutam nas urnas! Pois só quem tem o poder de curar a doença maligna que fulmina os nossos poderes estatais e que agoniza o povo, é o próprio povo.
 
Allons enfants de la patrie. Marchons! 

domingo, 16 de junho de 2013

Pasta de dente

Ele: no alto dos seus cinquenta anos, viúvo, cabelos grisalhos, em boa forma física, apesar da barriguinha de chopp, já saliente.
 
Ela: no frescor de seus vinte e cinco anos, solteira, cabelos negros encaracolados no meio das costas, corpão de violão.
 
Local: corredor dos legumes, supermercado.
 
Os olhares se cruzaram. Depois, pousaram na barraca do chuchu. Se cruzaram novamente. Chuchu. Então aconteceu o imponderável: pegaram o mesmo chuchu, ao mesmo tempo.
 
Os pensamentos ganharam asas e voaram longe.
 
Ele: que mulher! Será que tá me dando bola? Não, é nova demais, o que ela vai querer com um homem mais velho, como eu? E é muita areia pro meu caminhão. Mas eu posso fazer duas viagens. Vou cantar.
 
Ela: até que esse tiozinho é interessante. E ainda por cima gosta de chuchu! Será que ele vai me cantar?
 
Ele: não, não vou pagar esse mico. Mas que perna, nossa eu sou louco por perna. E são duas pernas, é perna demais pra mim. O que eu faço?
 
Ela: acho que não vai me cantar. Tá demorando demais. Que pena, dependendo da cantada, até que poderia rolar alguma coisa.
 
Ele: vou cantar! Mas o que eu digo? E seu eu disser algo ridículo? E se ela não entender? A linguagem dos jovens de hoje não é a mesma da minha época. Será que ainda se usa "e aí gatinha, tudo bem?"
 
Ela: nossa, que perfume gostoso! Um cara maduro, bonito e cheiroso. É tudo que estou precisando. Por que ele não me canta logo?!
 
Largaram o chuchu. Ele foi para a barraca da cenoura, ela, do pimentão. Se reencontraram na barraca do tomate. Os olhares se cruzaram novamente. Depois, tomate. Olho no olho. Tomate. Quem foi que disse que dois raios não caem no mesmo lugar? Pegaram o mesmo tomate.
 
Ele: ah não, agora foi demais. Ela tá me dando mole! O mesmo tomate? Depois do mesmo chuchu?
 
Ela: só pode ser o homem da minha vida! Temos o mesmo gosto e escolhemos o mesmo chuchu, o mesmo tomate. É muita coincidência. E ele que não me canta! Será que é gay?
 
Ele: que pescoço! Sou louco por pescoço. Lisinho, perfumado, com a dobrinha na coluna. É pescoço demais pra mim. Coragem, homem! Fala alguma coisa!
 
Ela: desisto. Deve ser gay, mesmo. Que desperdício!
 
Cada um tomou seu rumo. Cerca de trinta minutos depois se encontraram no corredor de higiene pessoal. Em frente as caixas de pasta de dente.
 
Os olhares se cruzaram. Pasta de dente. Olhares. Pasta de dente. Não, eles não pegaram a mesma caixa de pasta de dente.
 
Ele: Oral B? Como alguém consegue escovar os dentes com isso? Meu Deus, que roubada que eu ia me meter. Uma mulher que usa Oral B? Ainda bem que eu não cantei.
 
Ela: Colgate? Céus, se ele põe isso na boca, que outras coisas esse homem não será capaz de engolir? Que furada, escapei de boa! Definitivamente é gay!
 
Um olhou feio pro outro. Deram as costas e foi cada um pro seu lado.
 
Nunca mais se viram, apesar de terem voltado várias vezes ao mesmo supermercado, ambos com a esperança de se verem novamente. Maldita pasta de dente!
 
Eles sonhavam um com o outro.
 
O sonho dele: uma inesquecível noite de amor, após um delicioso jantar de chuchu com camarão.
 
O sonho dela: uma inesquecível noite de amor, após uma suculenta pizza de tomate.
 
Mas reza a lenda que, na última vez em que fizeram compras, ela comprou uma pasta Colgate, e ele, uma Oral B.  

domingo, 9 de junho de 2013

Sobre a vida e os barcos

Segundo o taoísmo, a vida é assim: somos apenas e tão somente barcos de velas brancas, navegando no mar desconhecido.
 
É possível que sim.
 
Às vezes, navegamos em águas mansas. De repente, eis que surge a tormenta.
 
Os remos são inúteis. A força dos elementos é maior que a nossa força.
 
Remamos sempre em direção ao sol, buscando a calmaria. Mas não conseguimos evitar a chegada da tempestade. Ela tem vontade própria. Sopra onde quer. Independe do nosso querer. Remos? Já não servem mais.
 
E de quem é a culpa pela interrupção da nossa calmaria? De ninguém. A vida é assim.
 
Viver é como jogar roleta. É possível que algo bom aconteça. É possível que algo ruim aconteça. E se acontecer, sofreremos, por certo. Mas não podemos culpar ninguém. A roleta é cega. Devemos aprender a sofrer sem revolta. Deus é inocente.
 
A tormenta é necessária. Sem ela, como poderíamos conhecer o doce sabor da calmaria? A tormenta nos faz valorizar a calmaria.
 
Em meio à tempestade, joguemos os remos fora e mantenhamos a calma. Confiemos em Deus. Está tudo certo. A natureza é a Grande Mãe. Tudo o que tiver que acontecer, acontecerá. Será apenas mais uma tempestade que vai passar.
 
Afinal, a sabedoria não é remar, e, sim, deixar-se levar pelo mar da vida que é mais forte.
 
Escrever não estava no meu plano de viagem. Mas em algum momento eu me distraí, e deixei de usar os remos. E o mar me trouxe até aqui.
 
É sempre possível mantermos os barcos atracados. Aí não conheceremos o risco do naufrágio. Mas também não conheceremos o prazer do calafrio e do desconhecido, das surpresas que o mar da vida poderá nos proporcionar. E principalmente, do gosto da vitória de sobrevivermos à tempestade.  
 
A vida é assim. 

domingo, 2 de junho de 2013

Confissões de um quase quarentão.

Confesso.
Sempre torci para o coiote pegar o bip-bip.
 
E também para que um, pelo menos um plano infalível do Cebolinha desse certo na captura do Sansão. Rezava para que o Cascão não estragasse tudo e o final não fosse um par de olhos inchados pela baixinha "golducha".
 
Confesso.
Nunca fui com a cara do Mestre dos Magos. Se aquele baixinho feioso metido a mestre Yoda fosse realmente um "mestre dos magos" madaria nossos heróis de volta para casa. Com a Uni junto.
 
Dos Thundercats, gostava mesmo era do Mun-há. Inesquecível: "Antigos espíritos do mal transformem esta forma decadente em MUN-HÁÁÁ..." E odiava o Snarf. Que raio de gato era aquilo?
 
Confesso.
Nunca entendi patavina do que o Pato Donald falava. E me estressava o fato de que nada dava certo pra ele. Ô pato azarado!
 
Por falar em azar, o que dizer da Quadrilha da Morte? Alguém viu alguma vez aqueles anões vencerem a Corrida Maluca? Nem salvar a Penélope eles conseguiam.
 
Mas azarado mesmo era o Peter Parker. Quem leu os gibis originais sabe. Já começa com ele sendo criado pelos tios, porque os pais eram mortos. Depois morreu o Tio Ben, assassinado por um bandido que ele poderia, mas não deteve. Em seguida, foi-se a Gwen (seu primeiro amor), que aliás, era muito mais gata que a Mary Jane. Essa não morreu, mas deu um pé na bunda dele depois que virou modelo famosa.
 
Mas o pior ainda estava por vir. O gibi que conta a história da morte da Tia May me levou as lágrimas. A TIA MAY NÃO PODIA MORRER, ela era a tia que eu nunca tive! Isso me deixou realmente abalado, e me fez abandonar de vez as revistinhas do Aranha.   
 
Confesso.
Nunca gostei dos Rolling Stones. E acho um tédio algumas músicas dos Beatles.
 
Mas nada se compara com o Billy Idol. Acho que fiquei traumatizado, pois num Rock´n Rio desses da vida, o cara não saía do palco e todo mundo, inclusive eu, queria era ver o Guns.
 
Confesso.
Chorei assistindo a Titanic, Ghost, Lista de Schindler e em outras dezenas de filmes, como por exemplo, aquele em que a Susan Sarandon tem câncer e quando morre deixa seus filhos com a Julia Roberts, nova namorada do ex-marido, que ela não gostava no início. Não me lembro o nome desse filme. Acho que só eu o assisti.  
 
E chorei quando a Tia May morreu. Mas acho que já falei isso. É que realmente ela não podia ter feito isso comigo.
 
Confesso que até hoje rezo pela sua alma. 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

No Alto da Montanha

Há dias em que nada faz sentido.

A linha reta torna-se uma acentuada curva onde não se enxerga o fim.
As pessoas perdem suas individualidades e tornam-se uma só identidade.
O sol se esconde para não se aborrecer, e as nuvens derramam suas lágrimas em mim.
Para regar o solo e o coração desta cidade.

Há dias em que a tristeza, em nossa alma resolve fazer morada.

Os anjos perdem a asa.
A melodia perde o tom.
As pessoas perdem a graça.
O mar perde o som.

Há dias em que se manter lúcido é o desafio.

Que pode não ser conquistado.
Que pode ser perdido.
Que se ficarmos parados,
Certamente seremos vencidos.

Há dias em que o coração sangra, e o peito parece querer explodir, tamanha agonia da perda de algo que nunca foi seu.

E então, nesses dias, pego carona nas asas da imaginação e voo para encontrar a solidão.

Chego ao alto da montanha.

E é lá, em meio ao silêncio dos pássaros e ao balé das nuvens, que meus pensamentos vão tomando forma.

Que meu coração se encontra com a minha mente, que faz contato com minha alma, que encontra a saída, finalmente, pelas pontas dos meus dedos e se materializa numa folha de papel qualquer.

E um dia essa folha vai voar lá do alto daquela montanha, tal qual um anjo caído.

E quem sabe encontrará alguém. Para quem, o que está escrito, faça algum sentido. E torne o dia menos sofrido.

E o faça encontrar seu refúgio, talvez, no alto de uma montanha qualquer.  

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cabelos negros

O poeta retorna ao lar, após um exaustivo dia de trabalho, onde se disfarça de advogado. Afrouxa o nó da gravata e joga o paletó em cima da cama. Ele sabe que foi um dia igual a vários outros que já passaram e que encontrará outros idênticos no amanhã.

Tudo muito urbano: o calor sufocante, o trânsito estressante, o sanduíche engolido às pressas substituindo o que deveria ter sido um almoço. As horas intermináveis num tribunal lotado de gente de mal com a vida. Tudo o que ele quer esquecer, no momento, é o rosto do notebook, que lhe encara boa parte do dia.
 
O poeta tenta desacelerar. Vai até a janela e mira a escuridão de um firmamento sem estrelas. A lua também preferiu se esconder.

"Ora (direis) ouvir estrelas. Certo perdeste o censo." Olavo sentenciou: basta amar para entendê-las. 
Mas onde o amor, nos dias de hoje? O poeta tem dificuldade de responder a essa pergunta.

O poeta tem dificuldade de responder a várias perguntas.
Por que assistir ao futebol já não lhe dá o prazer de antes?
Por que o jornal do dia já não lhe interessa mais?
Por que ele começou a gostar de salada?
Por que seus joelhos doem?
Por que seus cabelos negros não ficam brancos?

De onde viemos, quem somos, para onde vamos? Qual a razão de tudo isso?

Da janela, ele avista uma bela árvore se sobrepondo à paisagem. Quantas coisas ela já não presenciou, por quantas primaveras ela já não passou, quanta sabedoria ela já não adquiriu ao longo de sua existência?

Ah, se ela falasse! Como seria bom dialogar com esse sábio ser vivo, normalmente ignorado pelos transeuntes, muito ocupados com suas preocupações mundanas, e sem tempo para compreender o espetáculo da natureza que é menosprezado diariamente por seus sentidos limitados.

Talvez ela tivesse as respostas perseguidas pelo poeta. Talvez, não.

As religiões tentam explicar o que a ciência não entende. A filosofia nos confunde. A vida nos cega e nos empurra para um fim anunciado. O poeta já não sabe mais no que acreditar.

A não ser na luz da lua, no brilho das estrelas e na sabedoria das árvores.
E nos seus joelhos que doem.
E nos seus cabelos negros, que não ficam brancos...