domingo, 23 de junho de 2013

"Monstro"

Brasília, quinze de junho de 2013.
 
A copa das confederações vai começar. As primeiras imagens do Mané Garrincha que aparecem na TV não mostram jogadores. Mostram manifestantes fazendo protestos em frente ao estádio. Ouço alguém mencionar a sigla MPL. Descubro depois que significa Movimento do passe livre. Começa a brincadeira. "O monstro vai para as ruas."
 
Aumento da passagem de ônibus? Pano de fundo. O Brasil nas ruas. "Manifestação no Rio reúne 300 mil e acaba em confusão generalizada." Estudantes, trabalhadores, classe média. Todos juntos numa só direção. "Vem pra rua, vem." "Ah, eu sou brasileiro com muito orgulho e muito amor." Acordaram o monstro adormecido!
 
Surgem os vândalos. "Perseguição na Bahia." "Tentativa de furto no RS." "Covardia em Pernambuco." "Itamaraty sob ataque." Saques numa concessionário no Rio." A polícia não dá conta. "Policiais são acusados de não distinguirem vândalos de manifestantes pacíficos." O monstro tem duas caras? Dupla personalidade?  
 
Facebook: "O governo é o reflexo da sociedade." "O vândalo que quebra é filho do governo que rouba." "Há alguns meses estavam todos de mãos dadas com o governador e o prefeito lutando pelos royaltes e agora depredam suas residências oficiais." "Todos os políticos são iguais. Situação e oposição, ninguém presta."
 
Então, como é que faz? "O povo não deve temer seu Estado. O Estado é que deve temer seu povo." Surgem as máscaras do anarquista V.  Então é isso? Partiremos para a ausência de governo? Todo o poder nas mãos do povo. Afinal, nossa sociedade é um primor de ética e moral. Não existe corrupção, ambição e mau-caratismo em nenhum setor da sociedade. "O governo é um reflexo da sociedade." "Todos os politicos são iguais." Então, como é que faz? Solta o monstro nas ruas?
 
O que queremos mesmo? Ah, sim, serviços públicos decentes. O que não queremos? Corrupção e inflação. Impunidade. Queremos que o Ministério Público não perca seu papel de investigar os crimes, a roubalheira no Congresso. "Não à PEC37."
 
Queríamos a copa. "Tudo bancado pela iniciativa privada, sem dinheiro público, deixando um importante legado para o país", prometeu um popular ex-presidente que hoje serve de mão do rei (vide Game of Thrones). Mas as empresas privadas sumiram. E com ela o tal legado. E 27 bilhões de reais (dinheiro público), foram para a construção de estádios. Afinal, "uma copa se faz com estádios e não com hospitais", segundo nosso fenomenal garoto propaganda. Facebook: "avisa ao Ronaldo que uma suruba se faz com mulheres e não com travestis."
 
Mas veio a presidentA em cadeia nacional e nos tranquilizou: esse dinheiro é "financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios." Ah, bom, se é assim, tudo bem, afinal os estádios construídos em Manaus, Cuiabá, Natal e outros têm grande potencial de gerar receitas. Beleza.
 
Retorno ao facebook, local que passei a habitar diante dos últimos acontecimentos. Vejo a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade com um cartaz ao lado: "No meio do caminho tinha uma copa. Numa copa, encontramos o caminho.
 
Caminho para onde? Voltaram atrás quanto ao aumento da passagem. O tal do MPL se sentiu vitorioso, anuncia que seu objetivo foi atendido e não organizará mais manifestações. Ok. Só falta resolver o problema da corrupção, dos serviços públicos, da inflação.
 
Novamente a presidentA veio nos socorrer, prometendo resolver isso tudo. Tive a sensação de já ter ouvido 80% do conteúdo desse seu pronunciamento na campanha eleitoral. Esta impressão acabou, quando li que seu discurso foi escrito pelo marqueteiro João Santana e pelo... Mercadante. Aí tive certeza.
 
Enquanto isso o time reserva da Espanha faz 10 a zero no Taiti (quem?) e o Neymar resolve voltar a jogar bola.
 
A Itália pede dispensa da copa alegando insegurança (tem um monstro nas ruas!)  e já planejam levar a copa do mundo para os EUA. "Mentira, boato, invenção!" dispara a Fifa, atual dona do país.
 
Um pastor de viés racista e homofóbico que assumiu nada mais, nada menos que a presidência da Comissão de Direitos Humanos na Câmara, afirmou que, se o governo não apoiar o projeto de lei que visa "curar" os gays, ficará sem o voto de seu rebanho, no caso, os evangélicos.
 
As redes sociais não perdoam: a) "Não fui trabalhar. Estou com gay." b) "Se o tratamento para curar os gays for pelo SUS, todos morrerão viados." c) "O INSS vai aposentar por invalidez os gays não curados?"
 
Voltando a presidentA. Em seu discurso, ela prometeu ouvir todas as vozes das ruas. "É a cidadania e não poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar." Ela quer ouvir o monstro. Talvez Eremildo, o idiota, tenha acreditado. Com a palavra, Elio Gaspari.
 
No momento, o monstro deu uma trégua. E deixou apenas seu lado selvagem de fora: os vândalos. Então, já virou caso de polícia, segurança pública. "Exército pode ser usado", afirma Beltrame. Claro, o exército. Tava demorando. Que tal chamar o Capitão Nascimento?
 
Bem, as passagens já baixaram. Tá pintando um Brasil e Espanha na final. O Papa vem aí.
 
O que queremos mesmo? Talvez um pé-de-moleque, um quentão, um salsichão, uma cervejinha com pagode. E viva São João!
 
Porque nenhum monstro é de ferro.
   

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