Clarice Lispector
Oito aninhos
Minha filha
tem uma amiguinha de escola da mesma idade: oito aninhos. Sempre que ela me vê
na saída do colégio, abre o sorriso, grita: “tio!” e me dá um abraço. É um
gesto puro, inocente, verdadeiro e descompromissado, que me salva o dia. Pena
que ela vai crescer e se transformar em uma de nós: adultos.
Escrever
Escrevo
porque enjoo de mim. Porque convivo com o meu eu vinte e quatro horas por dia.
E me entedio. Escrevo para trazer novidades a minha rotina e me tornar outra
coisa. Escrevo para me libertar destas ideias loucas que surgem em algum lugar
e precisam sair de mim. Escrevo, pelo simples prazer de escrever. Escrevo porque às vezes
sou pedra e quero ser água. E, assim, eu me completo.
Metafísica
Se
tivéssemos o poder de voltar no tempo para modificar decisões que entendemos
equivocadas, estaríamos condenados a viver em um curto período de tempo. Não
haveria um futuro distante em nossas vidas.
Quando meu
filho nasceu, eu tinha 27 anos. Comparei, então, minha foto quando bebê e a
dele: vi bebês muito parecidos. Hoje, tenho 38 e ele 10. O meu retrato dessa
idade e o dele atual mostram meninos parecidos. Daqui a dez anos, a comparação
provavelmente mostrará adultos parecidos. E não tardará o dia em que ele
começará a comparar a sua foto de bebê com a do seu filho. E a vida vai
escapando, assim como grãos de areia entre os dedos das mãos...
Sabedoria
Não quero
que meus filhos tenham apenas os meios para viver. Quero que eles tenham razões
para viver. Razões para fazer a vida valer a pena: eis aí a verdadeira
sabedoria.
Animal racional
Já brandi
espadas e peguei em armas. Já vesti armaduras e usei fardas. Já matei e morri
lutando em nome de algum Deus e por algum rei. Hoje, eu penso.
Viver
A advocacia
me mantém vivo. A poesia me faz viver.
Guarda-chuva
Objeto feito para
ser perdido. E para nunca se ter no momento em que é preciso.
Pensar parado
“Você já parou pra pensar que...” Por que temos que parar para pensar? Eu penso muito quando corro, quando dirijo,
quando rezo, quando leio e... quando tomo banho. Resolvo vários problemas
tomando banho. Mas nunca parei para
pensar.
Já ouvi
muita gente dizer que não gosta de poesia porque não entende o que o poeta quer
dizer. Poeta não conjuga o verbo explicar. Conjuga o verbo sentir. Poesia não é
prosa explicativa. É sentimento em versos. É para ler com os olhos do coração.
Inspiração
Quando surge
um poema? Não sei essa resposta. Às vezes, quero escrever e não sai nada. Às
vezes, ele pede para ser escrito. Aí, não tem hora, não tem lugar...
Temas
Ateu, graças a Deus
Invejo
o ateu de bom coração. Simplesmente porque não almeja uma contraprestação. Não
se importa se alcançará um lugar no céu ou a salvação de sua alma. Apenas vive
praticando o bem, conjugando o verbo amar, sem nada querer em troca. Um
verdadeiro cristão, o ateu de bom coração. E se todos nós fossemos assim?
Precisaríamos de religião? Será que quando morrermos, alguém perguntará qual
era a nossa religião? Acho que não.
As borboletas não morrem.
Os biólogos
nos ensinam que um mês é o tempo médio de vida das borboletas. Os poetas nos
dizem que as borboletas não morrem. Borboleta é poesia viva, e como tal,
eterna.
Filosofia
Tudo flui,
tudo evolui, tudo se modifica.
O que servia
ontem não serve mais hoje. E o que serve hoje provavelmente não servirá amanhã.
Então, como alguém pode ser o dono da verdade? E o que é a verdade?
Decepção
- Seja bem-vinda, dona
Morte! Com avidez esperei sua chegada!
Diz-me logo: qual religião é a certa? O que acontecerá agora, que me levarás
deste mundo?
- Não sei, apenas cumpro ordens.
Louco, mas livre.
Aquele que
optar em se internar voluntariamente no asilo dos poetas românticos, estará
condenado a viver eternamente livre, no mundo dos sonhos, alforriado para todo
o sempre...
Tarefa poética
Transformar
a dor do amor em flor, em beleza, em poesia. Uma doce e triste tarefa para os
poetas românticos. Um ato de feitiçaria.
Deus
Eu contemplo as estrelas e namoro a lua. Abraço
árvores e paquero os ipês amarelos. Me ajoelho e rezo diante do mar, sob o céu
azul. E choro embaixo das águas da cachoeira. Queria ter a paz do lírio que
nasce no alto da montanha; a sabedoria da palmeira imperial; a resignação da
pedra que vive na beira do rio; a beleza do canto do sabiá. Sim, eu cultuo a
natureza. Nela, eu sinto Deus. Ela é o espelho onde Deus se contempla todos os
dias.
Livre
arbítrio
Sim ou não: eis a essência do livre arbítrio. Porque na vida, não há
espaço para o talvez.
Condicional
O futuro do pretérito é a
conjugação verbal mais triste que existe. Por quê? “Porque eu teria te amado um amor tão bonito... teria.”
Resignação.
Às vezes,
para fazermos o que é certo, temos que abrir mão do que mais desejamos. A
correnteza é mais forte. Não adianta remar. E ninguém tem culpa. A vida é
assim.
Musa
Todo poeta tem uma musa inspiradora. Se ela é real ou imaginária, pouco
importa. Afinal, o que é o poeta senão um grande fingidor? Mas como escrever
sobre o amor sem realmente senti-lo? Não sei. A musa é real, sim. Vive na
realidade do poema.
Objeto propriamente dito
Os poetas
temos mania de adjetivar e comparar as coisas. Seria algum crime um poema onde
uma maçã tenha gosto de maçã; um vento sopre como um vento; uma estrela brilhe
como uma estrela? Não, crime, não. Uma infração leve, talvez...
Árvores
Eu abraço árvores. No início sentia vergonha. Hoje não mais. Acho que perder a vergonha para certas coisas pode ser o início da felicidade.
Brega
Eu abraço árvores. No início sentia vergonha. Hoje não mais. Acho que perder a vergonha para certas coisas pode ser o início da felicidade.
Brega
Como são
bregas os poemas de amor! Como são belos os poemas de amor! Será, então, belo
aquilo que é brega? Claro! Desde que sejam poemas de amor.
Quando o fim se aproximar
E chegará o
dia em que o coração do poeta restará velho e cansado. E quando esse dia
chegar, ele contemplará as estrelas; escreverá um poema para uma menina bonita;
buscará belas palavras na natureza para construir suas poesias; sentirá saudade
dos poemas que não escreveu; procurará o sol e encontrará a lua; tomará o seu
banho de mar; tudo como se fosse pela primeira vez... afinal, para que servem os
poetas?
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