segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A desenhista da praia

Quando ela chegou desfilando com sua bonita saia azul de crochê e o chapéu bordado, foi logo providenciando seu assento e sua sombra.

O sol estava escaldante e a pequena sombra redonda emanada da barraca era o local mais valioso da praia.

Após se livrar da bonita saia azul, sentou-se e abriu um pequeno caderno, pousando-o delicadamente sobre seu colo. Retirou de dentro da bolsa de palha um lápis, manuseado pela mão direita, que o pôs para trabalhar.

Rabisco para cima, rabisco para baixo. Da minha cadeira eu a observava e curioso ficava. Seus olhos, ora pousavam no caderninho, ora miravam seu modelo.

Consegui identificar o rosto da criança que cavava um buraco na beira do mar. Um homem sentado de costas, com as mãos para trás apoiadas na areia. Uma mulher com seus longos cabelos negros caídos sobre seu ombro esquerdo. Um vendedor com seus galões de mate e limonada.

O lápis trabalhava freneticamente, retirando o branco das páginas do caderninho, cujas folhas iam sendo viradas conforme o desenho se findava.

Passatempo, hobby, diversão ou profissão. Que mistério guardava a menina desenhista, que ao meu lado retratava os personagens que se apresentavam naquele palco da vida, e que sequer imaginavam que suas caricaturas estavam sendo criadas e materializadas - e talvez eternizadas - num caderninho, cuja morada, quem sabe, o fará vizinho de vários outros caderninhos, contendo vários outros personagens que já se apresentaram em vários outros palcos da vida.

Cinquenta minutos já havia se passado, e o lápis continuava seu itinerário louco, pela estrada branca das páginas do caderno, quando, de repente, o mesmo foi atirado de volta para dentro da bolsa de palha. Ato contínuo, o caderno foi fechado e colocado com cuidado na mesma bolsa, fazendo companhia ao seu amigo que lhe dá conteúdo.

E então, subitamente, sem tomar um banho de mar sequer; sem beber uma água de coco sequer; sem comer um biscoito Globo sequer; a artista de rua se levanta, veste a bela saia azul de crochê, calça as havaianas, pendura a bolsa de palha no ombro e com seu chapéu bordado na mão esquerda, vai embora.

E leva com ela toda a graça daquela praia, cuja essência ficou rabiscada num caderninho, e agora, tal qual uma fotografia em preto e branco, não consigo enxergar mais o colorido que supostamente existia antes de sua chegada. A praia se foi nas páginas daquele caderno.

Nada mais me resta, senão ir embora. E meus olhos fazem às vezes daquele lápis: rabiscam em minha mente o esboço de uma menina desenhista, vestida com uma bonita saia de crochê azul e chapéu bordado, desenhando poesia ao transformar a vida real em imaginação, combinando a arte com o coração, tudo num caderninho, que um dia ficará perdido, talvez, em algum lugar do passado.  

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário