Partidas de buraco, com (ou sem) bebida alcóolica, costumam não dar muito certo. Se os jogadores são casais, então, complica ainda mais. Se o casal forma a dupla, danou-se.
Mas neste conto, quem brigou não foi nenhum casal. Foram os homens. A coisa se deu mais ou menos assim:
Breno e Joana convidaram um casal de amigos, Vânia e Léo, para uma partidinha de buraco.
Não, não é bem assim. Joana e Vânia é que são amigas de longa data. Se conheceram na escola e nunca mais se desgrudaram. Mas os maridos nunca se deram.
O Léo foi contrariado. Realmente não ia com a cara do Breno.
- Sujeito arrogante. Se acha o bom, o sabe-tudo. Sobre qualquer assunto. Como todo engenheiro. Eita raça metida!
- Ah! amor, não exagera...
- Exagerado, eu? Lembra daquela viagem, em que ele discutiu com a guia do museu? Que ela estava errada quanto a data de nascimento do terceiro filho de D. Pedro I? Por Deus, Vânia, por que uma pessoa vai querer saber ao certo a data de nascimento do terceiro filho de D. Pedro I? E brigar com a guia na frente de todos os turistas, por causa disso? Ave Maria!
-Ele só estava tentando ajudar.
-Sei.
E lá foram eles para a tal noite de carteado.
Cumprimentos de praxe:
- Vânia, como você emagreceu!
- Você acha mesmo, Joana? Ah! são seus olhos.
- E aí Léo, beleza?
- Até agora, tudo.
E começa o jogo. Os casais formavam as duplas. A coisa estava indo bem, até o Léo se irritar. O motivo: Breno comprava todas as mesas.
- Sem querer ser desagradável, Breno, mas a probabilidade de todas, e quando digo todas, eu quero dizer TODAS, enfim, a probabilidade de todas as cartas jogadas fora servirem pra você, cara, é ZERO!
- Meu amigo, por incrível que pareça, você tem razão.
- Então, para de comprar a porra da mesa!
- Calma, amor, é só um jogo.
- Ah!, não liga não, o Breno é assim mesmo, ele sempre compra a mesa toda, diz que é uma tática, não é, benzinho?
- Exato, Joaninha querida, mas nem todas as pessoas conseguem alcançar este raciocínio, sabe como é, uma questão de QI.
A situação estava ficando tensa. Léo entornava um copo de cerveja atrás do outro. Na décima vez em que o Breno pegou a mesa, ele não se aguentou.
- Tática, QI, seja lá o que for, o fato é que você já está usando as duas mãos para segurar suas cartas. Mais uma rodada e você, meu caro Einstein, estará com metade do baralho na sua mão. Se você não percebeu ainda, as cartas para comprar estão acabando, e alguém vai ficar sem o morto.
- Arrá! Vânia, seu marido está evoluindo. No campo da inteligência, quero dizer. Joaninha, meu amor, pelos meus cálculos você vai bater agora e os nossos rivais ficarão sem o morto.
Dito e feito. Joana bateu e pegou o morto. E quando Breno fez menção de pegar o outro morto para colocar no meio da mesa, Léo deu um pulo e segurou sua mão.
- Se você ousar tocar no meu morto, vai dar merda!
- Leozinho, meu amor, solta a mão do Breno!
- Que é isso, meu camarada, as cartas para comprar acabaram, pela regra o morto tem que entrar...
- As cartas acabaram porque você comprou TODAS as mesas e trancou o jogo de todo mundo.
- Mas a regra não me proíbe de comprar todas as mesas.
- Mas o bom-senso, a civilidade, as regras de boa-convivência, a educação e o cavalheirismo proíbem. Entretanto, você desconhece estas palavras, não é mesmo Breno, porque pessoas como você...
- Peraí, você está me ofendendo dentro da minha própria casa? Pessoas como eu o quê?
Nesta altura os dois já estavam de pé. Metade das cartas já tinha caído da mesa. O jogo já era.
Tensão. Saia justa. Climão.
A Vânia mordia suas cartas. A Joana tentava convencê-los a trocar a cerveja por um suquinho de maracujá.
- Pessoas como você..., repetia Léo.
- Fala, Léo, como eu o quê?
- Pessoas como você que decoram as datas de nascimento dos filhos de D. Pedro I, tem todo o direito de comprar todo o lixo de um jogo de buraco!
Silêncio total.
Depois de algum tempo, Breno se sentou. Léo também. Beberam um gole grande de cerveja. Um não tirava os olhos do outro. Os semblantes fechados.
Joana, ainda com a jarra de suco de maracujá na mão, quebrou o silêncio.
- Queridos, tá passando um show ótimo da Ivete Sangalo na TV, vamos ver?
- Adoro Ivete!, emendou Vânia, já puxando Léo para a poltrona em frente a TV.
Terminaram a noite vendo a Ivete, com a Vânia e a Joana cantando e dançando todas as músicas. Breno e Léo sentados e calados.
Se despediram. Os caras com um frio "falou", com o qual o outro retrucou "valeu".
No carro, Vânia perguntou ao Léo o que ele queria dizer com aquilo.
- Sei lá, foi o que veio na cabeça, na hora.
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Quando Léo e Vânia saíram, desconfiado, Breno foi para o computador.
Digitou no Google: jogo de buraco regras. Não, não achou nada relacionado a quem teria direito de comprar todo o lixo.
- Que Diabos o Léo queria dizer com aquilo?
A pergunta martelou em sua cabeça durante muito tempo. E Breno não conseguiu encontrar uma resposta.
Mas, pelo sim, pelo não, a partir daquele dia, nunca mais comprou uma carta da mesa sequer.
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