segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cabelos negros

O poeta retorna ao lar, após um exaustivo dia de trabalho, onde se disfarça de advogado. Afrouxa o nó da gravata e joga o paletó em cima da cama. Ele sabe que foi um dia igual a vários outros que já passaram e que encontrará outros idênticos no amanhã.

Tudo muito urbano: o calor sufocante, o trânsito estressante, o sanduíche engolido às pressas substituindo o que deveria ter sido um almoço. As horas intermináveis num tribunal lotado de gente de mal com a vida. Tudo o que ele quer esquecer, no momento, é o rosto do notebook, que lhe encara boa parte do dia.
 
O poeta tenta desacelerar. Vai até a janela e mira a escuridão de um firmamento sem estrelas. A lua também preferiu se esconder.

"Ora (direis) ouvir estrelas. Certo perdeste o censo." Olavo sentenciou: basta amar para entendê-las. 
Mas onde o amor, nos dias de hoje? O poeta tem dificuldade de responder a essa pergunta.

O poeta tem dificuldade de responder a várias perguntas.
Por que assistir ao futebol já não lhe dá o prazer de antes?
Por que o jornal do dia já não lhe interessa mais?
Por que ele começou a gostar de salada?
Por que seus joelhos doem?
Por que seus cabelos negros não ficam brancos?

De onde viemos, quem somos, para onde vamos? Qual a razão de tudo isso?

Da janela, ele avista uma bela árvore se sobrepondo à paisagem. Quantas coisas ela já não presenciou, por quantas primaveras ela já não passou, quanta sabedoria ela já não adquiriu ao longo de sua existência?

Ah, se ela falasse! Como seria bom dialogar com esse sábio ser vivo, normalmente ignorado pelos transeuntes, muito ocupados com suas preocupações mundanas, e sem tempo para compreender o espetáculo da natureza que é menosprezado diariamente por seus sentidos limitados.

Talvez ela tivesse as respostas perseguidas pelo poeta. Talvez, não.

As religiões tentam explicar o que a ciência não entende. A filosofia nos confunde. A vida nos cega e nos empurra para um fim anunciado. O poeta já não sabe mais no que acreditar.

A não ser na luz da lua, no brilho das estrelas e na sabedoria das árvores.
E nos seus joelhos que doem.
E nos seus cabelos negros, que não ficam brancos...   

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