domingo, 16 de junho de 2013

Pasta de dente

Ele: no alto dos seus cinquenta anos, viúvo, cabelos grisalhos, em boa forma física, apesar da barriguinha de chopp, já saliente.
 
Ela: no frescor de seus vinte e cinco anos, solteira, cabelos negros encaracolados no meio das costas, corpão de violão.
 
Local: corredor dos legumes, supermercado.
 
Os olhares se cruzaram. Depois, pousaram na barraca do chuchu. Se cruzaram novamente. Chuchu. Então aconteceu o imponderável: pegaram o mesmo chuchu, ao mesmo tempo.
 
Os pensamentos ganharam asas e voaram longe.
 
Ele: que mulher! Será que tá me dando bola? Não, é nova demais, o que ela vai querer com um homem mais velho, como eu? E é muita areia pro meu caminhão. Mas eu posso fazer duas viagens. Vou cantar.
 
Ela: até que esse tiozinho é interessante. E ainda por cima gosta de chuchu! Será que ele vai me cantar?
 
Ele: não, não vou pagar esse mico. Mas que perna, nossa eu sou louco por perna. E são duas pernas, é perna demais pra mim. O que eu faço?
 
Ela: acho que não vai me cantar. Tá demorando demais. Que pena, dependendo da cantada, até que poderia rolar alguma coisa.
 
Ele: vou cantar! Mas o que eu digo? E seu eu disser algo ridículo? E se ela não entender? A linguagem dos jovens de hoje não é a mesma da minha época. Será que ainda se usa "e aí gatinha, tudo bem?"
 
Ela: nossa, que perfume gostoso! Um cara maduro, bonito e cheiroso. É tudo que estou precisando. Por que ele não me canta logo?!
 
Largaram o chuchu. Ele foi para a barraca da cenoura, ela, do pimentão. Se reencontraram na barraca do tomate. Os olhares se cruzaram novamente. Depois, tomate. Olho no olho. Tomate. Quem foi que disse que dois raios não caem no mesmo lugar? Pegaram o mesmo tomate.
 
Ele: ah não, agora foi demais. Ela tá me dando mole! O mesmo tomate? Depois do mesmo chuchu?
 
Ela: só pode ser o homem da minha vida! Temos o mesmo gosto e escolhemos o mesmo chuchu, o mesmo tomate. É muita coincidência. E ele que não me canta! Será que é gay?
 
Ele: que pescoço! Sou louco por pescoço. Lisinho, perfumado, com a dobrinha na coluna. É pescoço demais pra mim. Coragem, homem! Fala alguma coisa!
 
Ela: desisto. Deve ser gay, mesmo. Que desperdício!
 
Cada um tomou seu rumo. Cerca de trinta minutos depois se encontraram no corredor de higiene pessoal. Em frente as caixas de pasta de dente.
 
Os olhares se cruzaram. Pasta de dente. Olhares. Pasta de dente. Não, eles não pegaram a mesma caixa de pasta de dente.
 
Ele: Oral B? Como alguém consegue escovar os dentes com isso? Meu Deus, que roubada que eu ia me meter. Uma mulher que usa Oral B? Ainda bem que eu não cantei.
 
Ela: Colgate? Céus, se ele põe isso na boca, que outras coisas esse homem não será capaz de engolir? Que furada, escapei de boa! Definitivamente é gay!
 
Um olhou feio pro outro. Deram as costas e foi cada um pro seu lado.
 
Nunca mais se viram, apesar de terem voltado várias vezes ao mesmo supermercado, ambos com a esperança de se verem novamente. Maldita pasta de dente!
 
Eles sonhavam um com o outro.
 
O sonho dele: uma inesquecível noite de amor, após um delicioso jantar de chuchu com camarão.
 
O sonho dela: uma inesquecível noite de amor, após uma suculenta pizza de tomate.
 
Mas reza a lenda que, na última vez em que fizeram compras, ela comprou uma pasta Colgate, e ele, uma Oral B.  

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