Arnaldo
era um sujeito meio perturbado. Houve época em que ele fazia tudo cronometrado,
na parte da manhã.
Acordava
às sete horas, tirava água do joelho, lavava o rosto, tomava o café com o pão
francês dormido (acordado na chapa quente) com manteiga, abria a porta de casa,
pegava o jornal largado no capacho, e com a parte de esportes ia para o
banheiro dar a sua barrigada matinal. Escovava os dentes, tomava banho, se vestia
e saía para o trabalho.
Tudo isso
durava quarenta e cinco minutos. Porque às sete e quarenta e cinco ele já tinha
que estar sentado no banco da portaria do prédio.
E a razão
era simples: por volta das sete e cinquenta, saía do elevador sua Afrodite Humanizada:
a vizinha do 901.
Ela levava
algo em torno de 10 segundos para desfilar do elevador até a porta social. Os
dez segundos mais importantes do dia do Arnaldo.
Ele entrava
em uma espécie de transe. Ela era toda perfeitinha.
Seu perfume
enlouquecia o pobre do Arnaldo, seus cabelos negros, que eram jogados de um
lado para o outro, bofeteavam sua face; seu rosto de feições finas e lábios
grossos se coadunavam com o corpo bem feito, cujos pilares eram um par de
pernas de fazer inveja a qualquer Cláudia Raia.
Quando ela
passava por ele e sua voz rouca balbuciava um “bom-dia”, era o ápice daquele momento
supremo, que tinha seu grand finale,
na apreciação de seus glúteos redondos e firmes que pareciam lhe dizer adeus.
E então
Arnaldo estava preparado para enfrentar mais um dia de seu tedioso trabalho
numa editora, onde revisava textos chatíssimos de livros de autoajuda.
Arnaldo
fantasiava sobre sua musa. Sabia que seu nome era Paloma. O simples som da
palavra Paloma já lhe parecia uma explosão de libido.
Só havia
uma mulher no mundo que seria capaz de fazer Arnaldo esquecer a vizinha do 901:
a Angelina Jolie. Mas como essa já era casada com o Brad Pitt, preferia
concentrar suas energias na Paloma.
E por dois
anos, Arnaldo cumpriu o ritual acima, cultivando seu amor platônico, e pensando
num plano para conquistar sua Deusa.
Até que...
Numa
certa manhã de setembro, Paloma não saiu do elevador.
Nem na
manhã seguinte. Nem no mês seguinte.
Paloma
simplesmente desapareceu.
Nosso
herói entrou em depressão profunda. Retiraram o alimento de sua alma.
E a vida
lhe pareceu desnecessária.
Três finais possíveis para esta história.
Primeiro:
Arnaldo escreveu um livro de autoajuda explicando como superar a perda de um
grande amor. O livro virou Best Seller Internacional.
Numa
noite de autógrafos em Nova York, foi surpreendido com a própria Angelina Jolie
lhe pedindo uma dedicatória.
Foi amor
à primeira vista. Ela deu um pé na bunda do Brad Pitt, e encontrou em Arnaldo o
grande amor da sua vida.
Arnaldo e
Angelina adotaram um casal de crianças desnutridas da Etiópia e foram felizes
para sempre.
Segundo: vinte
anos depois, Arnaldo, agora um coroa inteirão (encontrou na musculação um
refúgio para esquecer sua desilusão amorosa) e pegador (terror das menininhas
do bairro), é abordado no supermercado por uma baranga de meia idade, que
parecia ter fugido de um filme de terror.
- Olá ?
Você lembra de mim ?
- Não.
- Eu sou
a Paloma, nós morávamos no mesmo prédio, há cerca de 20 anos atrás. Você era o
cara que diariamente se sentava no banco da portaria, e esperava eu passar,
para olhar minha bunda.
- Olha
minha senhora, me desculpe, mas isso não é do meu feitio. A senhora com certeza
está me confundindo com outra pessoa. E com licença que o pãozinho francês tá
acabando.
Arnaldo
saiu correndo com seu carrinho de compras sem olhar pra trás. E nunca mais
voltou naquele supermercado.
Terceiro:
após cinco anos de terapia, Arnaldo descobriu que a tal Paloma nunca existiu.
Telmo, o analista,
concluiu que tudo foi fruto de sua imaginação, uma carência amorosa. Os textos
de autoajuda que revisava e os filmes da Angelina Jolie que assistia, projetava
em sua mente uma mulher perfeita que nunca existiu. Somente em seu
subconsciente perturbado e carente.
Aliás não
existia nem apartamento 901. O prédio só tinha 8 andares.
Gostei dessa Paloma barangona , esse foi o melhor final.
ResponderExcluirO terceiro é excelente. A famosa mulher invisível...
ResponderExcluirAbraço,
Paulo