quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Paloma

Arnaldo era um sujeito meio perturbado. Houve época em que ele fazia tudo cronometrado, na parte da manhã.
 
Acordava às sete horas, tirava água do joelho, lavava o rosto, tomava o café com o pão francês dormido (acordado na chapa quente) com manteiga, abria a porta de casa, pegava o jornal largado no capacho, e com a parte de esportes ia para o banheiro dar a sua barrigada matinal. Escovava os dentes, tomava banho, se vestia e saía para o trabalho.
 
Tudo isso durava quarenta e cinco minutos. Porque às sete e quarenta e cinco ele já tinha que estar sentado no banco da portaria do prédio.
 
E a razão era simples: por volta das sete e cinquenta, saía do elevador sua Afrodite Humanizada: a vizinha do 901.
 
Ela levava algo em torno de 10 segundos para desfilar do elevador até a porta social. Os dez segundos mais importantes do dia do Arnaldo.
 
Ele entrava em uma espécie de transe. Ela era toda perfeitinha.
 
Seu perfume enlouquecia o pobre do Arnaldo, seus cabelos negros, que eram jogados de um lado para o outro, bofeteavam sua face; seu rosto de feições finas e lábios grossos se coadunavam com o corpo bem feito, cujos pilares eram um par de pernas de fazer inveja a qualquer Cláudia Raia.

Quando ela passava por ele e sua voz rouca balbuciava um “bom-dia”, era o ápice daquele momento supremo, que tinha seu grand finale, na apreciação de seus glúteos redondos e firmes que pareciam lhe dizer adeus.
 
E então Arnaldo estava preparado para enfrentar mais um dia de seu tedioso trabalho numa editora, onde revisava textos chatíssimos de livros de autoajuda.

Arnaldo fantasiava sobre sua musa. Sabia que seu nome era Paloma. O simples som da palavra Paloma já lhe parecia uma explosão de libido.

Só havia uma mulher no mundo que seria capaz de fazer Arnaldo esquecer a vizinha do 901: a Angelina Jolie. Mas como essa já era casada com o Brad Pitt, preferia concentrar suas energias na Paloma.

E por dois anos, Arnaldo cumpriu o ritual acima, cultivando seu amor platônico, e pensando num plano para conquistar sua Deusa.
 
Até que...
 
Numa certa manhã de setembro, Paloma não saiu do elevador.
Nem na manhã seguinte. Nem no mês seguinte.
Paloma simplesmente desapareceu.

Nosso herói entrou em depressão profunda. Retiraram o alimento de sua alma.
E a vida lhe pareceu desnecessária. 
 

Três finais possíveis para esta história.
 
Primeiro: Arnaldo escreveu um livro de autoajuda explicando como superar a perda de um grande amor. O livro virou Best Seller Internacional.

Numa noite de autógrafos em Nova York, foi surpreendido com a própria Angelina Jolie lhe pedindo uma dedicatória.

Foi amor à primeira vista. Ela deu um pé na bunda do Brad Pitt, e encontrou em Arnaldo o grande amor da sua vida.

Arnaldo e Angelina adotaram um casal de crianças desnutridas da Etiópia e foram felizes para sempre.
 
Segundo: vinte anos depois, Arnaldo, agora um coroa inteirão (encontrou na musculação um refúgio para esquecer sua desilusão amorosa) e pegador (terror das menininhas do bairro), é abordado no supermercado por uma baranga de meia idade, que parecia ter fugido de um filme de terror.
 
- Olá ? Você lembra de mim ?
- Não.
- Eu sou a Paloma, nós morávamos no mesmo prédio, há cerca de 20 anos atrás. Você era o cara que diariamente se sentava no banco da portaria, e esperava eu passar, para olhar minha bunda.
- Olha minha senhora, me desculpe, mas isso não é do meu feitio. A senhora com certeza está me confundindo com outra pessoa. E com licença que o pãozinho francês tá acabando.
Arnaldo saiu correndo com seu carrinho de compras sem olhar pra trás. E nunca mais voltou naquele supermercado.

Terceiro: após cinco anos de terapia, Arnaldo descobriu que a tal Paloma nunca existiu.
 
Telmo, o analista, concluiu que tudo foi fruto de sua imaginação, uma carência amorosa. Os textos de autoajuda que revisava e os filmes da Angelina Jolie que assistia, projetava em sua mente uma mulher perfeita que nunca existiu. Somente em seu subconsciente perturbado e carente.

Aliás não existia nem apartamento 901. O prédio só tinha 8 andares.

2 comentários:

  1. Gostei dessa Paloma barangona , esse foi o melhor final.

    ResponderExcluir
  2. O terceiro é excelente. A famosa mulher invisível...
    Abraço,
    Paulo

    ResponderExcluir