terça-feira, 11 de março de 2014

O sorriso de Deus

Os longos cabelos cobertos de neve, presos num rabo de cavalo, denunciam a sabedoria do tempo escondida em sua alma.
 
As rugas e marcas de expressão espalhadas em seu rosto me remetem a um jardim de margaridas brancas, que ao serem osculadas pelo vento, produzem a mais formosa melodia.
 
Seu olhar foca a linha do horizonte. O encontro do céu de Oxalá com o mar de Yemanjá. O mais belo ponto de força da natureza, que não existe. É somente uma ilusão de ótica. Ao contrário da simpática senhorinha parada na minha frente, na beira do mar, imortalizada pelo tempo.
 
Talvez ela esteja fazendo uma prece. Ou pensando no seu falecido marido. Talvez ela esteja lembrando de cada um dos momentos felizes em que viveu em sua jornada terrena. Pode ser que ela esteja decidindo se vai comer um biscoito Globo ou uma empadinha de queijo. Ou no que vai preparar para o jantar. Quem sabe ela não está apenas lembrando de um cachorrinho de estimação que a deixou há trinta anos atrás?
 
Vai saber...
 
Ela dá três passos em direção ao mar. A primeira onda vem lhe saudar. A segunda lhe beija os pés e tornozelos. As demais querem apenas com ela brincar.
 
Ela se curva, molha suas mãos e faz o sinal da cruz. Várias vezes. Ela estende os braços em direção aos céus, com as palmas das mãos viradas para cima, como quem agradece por alguma coisa, talvez por aquele momento, talvez por alguma graça, talvez por... Não. Ela apenas agradece. Pela vida.
 
As ondas batem em suas pernas finas, enrugadas e firmes e a senhorinha lá, brincando e conversando com as ondas, se sentindo parte integrante daquele quadro de areia, mar, espuma e conchas.
 
Ela lembra de todas as coisas que as ondas lhe trouxeram: alegrias, tristezas, amores.
Ela lembra de todas as coisas que as ondas lhe levaram: alegrias, tristezas, amores.
 
Ela sabe que as ondas não cessam de ir e vir. E aguarda as próximas ressacas e calmarias. Porque ela sabe que a vida é assim.
 
Ela não se desespera mais com as tempestades da vida. Porque ela usa um agasalho impermeável. O agasalho da fé. Ela sabe que tudo sempre passa. Que uma hora o sol se esconde, que as nuvens choram, afinal as flores tem que brotar. Mas o sol sempre volta.
 
Quando ela finalmente sai do mar, o sorriso lhe enfeita a face. Mas esse sorriso não é dela. Ela apenas empresta, gentilmente, o seu rosto para o Criador.
 
Esse sorriso... é o sorriso de Deus. 
 
 

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