segunda-feira, 7 de abril de 2014

O colar de Maria Alice

- João Alfredo, fecha esse colar aqui pra mim.
- Posso acabar de dar o nó na gravata?
- Não, tem que ser agora!
- Tá bom, me dá isso aqui... pomba, Maria Alice, esses fechos estão ficando cada vez menores. Não tô conseguindo.
- Mas vai ter que conseguir! Comprei esse colar especialmente pro batizado do nosso neto. Vai, prende logo isso.
- Não dá, eu tô sem unha, acabei de cortar.
- E isso é hora de cortar a maldita unha?
- E eu lá sabia que teria que fechar esse maldito colar?!
 
João Alfredo largou o colar em cima da mesinha de cabeceira. Sentou-se na cama, tirou os óculos e levou as duas mãos ao rosto, balançando a cabeça pra lá e pra cá.
 
- Não aguento mais isso, Maria Alice. Preciso desabafar.
 
Maria Alice não entendeu nada. O que era aquilo? Um desabafo? Após trinta anos de casados, seu marido resolveu discutir a relação? E na hora do batizado do Paulo André? Não, vai ver era só o fato dele não conseguir fechar o colar.
 
- Joãozinho, meu amor, fica calmo, dá o nó na sua gravata, depois você tenta novamente fechar o meu colar, sem estresse...
- Eu não tô falando desse colar, já falei que não há como fechar essa joça. Pelo simples fato de que eu não consigo abrir o fecho da argola. Se eu não consigo abrir o fecho da argola, não há como colocar a argolinha dentro da argola, ou seja, não dá pra fechar essa porcaria. Entendeu ou quer que eu desenhe? Eu estou falando de mim, preciso confessar uma coisa.
 
Confissão? Não era desabafo? Maria Alice estava confusa. Não sabia lidar com aquela situação. Essas palavras nunca tinham saído da boca do João Alfredo naqueles trinta anos de casamento.
 
- Joãozinho, não dá pra fazer essa confissão ou desabafo, sei lá, depois do batizado do nosso netinho?
- Não, tem que ser agora.
 
Maria Alice ficou tensa. Nervosa. Em estado de choque.
 
Não, Maria Alice não queria ouvir. Não queria ouvir que seu marido não a amava mais. Pior: que nunca a amou. Que todos esses anos ele fingiu ser um esposo apaixonado, cumpridor de seus deveres.
 
Não, Maria Alice não queria ouvir. Não queria ouvir que seu marido tinha outra. Que sempre a traiu, e que agora estava apaixonado pela amante e ia largar tudo pra ficar ela.
 
Não, definitivamente Maria Alice não queria ouvir. Não queria ouvir que, sei lá, ele era gay e resolveu sair do armário, e que depois de trinta anos de uma relação heterossexual, ele resolveu viver uma paixão enrustida com outro ser do mesmo sexo.
 
E, realmente, não foi nada disso que Maria Alice ouviu.
 
- Eu não consigo entender o que os padres falam. Começou nas missas que mamãe me levava aos domingos. Quando o padre começava o sermão, eu não entendia nada. Depois veio o nosso casamento. Tirando a parte do "você aceita Maria Alice como sua legítima esposa?" eu não entendi patavinas do que o padre falou. Idem nas nossas bodas de prata; no batizado, primeira comunhão e casamento da Maria Regina.
- Mas você chorava tanto no casamento da Maria Regina...
- Exato! E por quê? Porque eu não entendia nada que o padre falava. Você ouviu, Maria Alice, NADA!
 
"Imagina quanta coisa eu perdi, como eu poderia ter sido um homem melhor se entendesse as missas, os sermões. Eu estou vivendo em pecado esses anos todos. Eu sequer entendia as penitencias que me eram dadas quando me confessava. Rezava sempre dez Pais Nossos e dez Ave Marias, por via das dúvidas. Não, não vão me deixar entrar no Céu, estou certo disso.
 
Agora, o batizado do Paulo André. Mais uma vez sem entender nada. Eu não vou aguentar, Maria Alice!"
 
Maria Alice relaxou. Seu casamento estava aparentemente a salvo. Ele ainda a amava, não tinha outra e não era gay.
 
Só uma coisa continuava lhe preocupando: o fato dele não conseguir fechar o seu colar novo.
 
Isso, sim, era o problema a ser resolvido.   

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