sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Lágrima azul e branca

Então chegou o carnaval! Preparo minha fantasia, tomo três comprimidos de engov, saio de casa na sexta-feira e, com sorte, renasço das cinzas numa quarta-feira, curando a ressaca e a rebordosa ao som de DEZ, NOTA DEZ.
 
Nada disso. Não nasci para ser folião. E a multidão não me suporta. Enfim, carnaval pra mim é um feriadão, onde eu curto minha praia, tomo minha cervejinha, e assisto ao desfile confortavelmente na minha casa, no fresquinho do ar condicionado, com uns petisquinhos.
 
Aliás, via. Até dos desfiles enjoei, os sambas (já não sou muito fã) ultimamente tem sido insuportáveis. Recorro, então, a filmes e livros, já que a animação não é muito o meu forte.
 
Mas houve um tempo em que era divertido ver os desfiles. A metade salgueirense da minha família (na qual me incluo) zoando a outra metade mangueirense, sempre constituiu uma disputa à parte.
 
De uns tempos pra cá, contudo, só assisto ao desfile do Salgueiro. E sempre digo as mesmas coisas. Que o meu Salgueiro foi roubado, que a Globo é Beija Flor e por isso ela ganha (ou quase ganha) todo ano, que a Mangueira é cafona, verde e rosa não combinam.
 
E que a águia da Portela estava linda.
 
Já falei que não sou muito fã de samba, mas admiro alguns. E o meu "eu-poeta" nutre uma simpatia quase amor pela Portela.
 
Também, pra quem tem a poesia correndo nas veias, é covardia. Senão, vejamos.
 
Paulinho da Viola ("Solidão é lava, que cobre tudo, amargura em minha boca, sorri seus dentes de chumbo. Solidão palavra, marcada no coração, resignado e mudo no compasso da desilusão.").
 
Clara Nunes (O mar serenou quando ela pisou na areia. Quem samba na beira do mar é sereia.")
 
Candeia (Quero assistir ao sol nascer, ver as águas do rio correr, ouvir os pássaros cantar... e se alguém um dia perguntar, diga que eu só vou voltar... quando eu me encontrar.")
 
E, last but not least, minha Deusa, minha rainha... Marisa Monte. Sua voz, por si só, já é poesia: o verdadeiro canto da sereia. Dispensa palavras. E ainda assim, ela floreia nossa vida com versos perolados. "Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz... e o que que a gente não faz... por amor."  
 
Teve também o desfile de 1984, Contos de areia. "É cheiro de mato, é terra molhada, é Clara guerreira, lá vem trovoada." A última estrofe diz que a Portela "faz da vida poesia". Sim, sim, sim.
 
Esse ano vai ser tudo igual. Vou assistir ao desfile do Salgueiro, cujo samba tem um refrão pra macumbeiro nenhum botar defeito: "Oxum, Yemanjá, Yansã, Oxóssi caçador. Ossanha, Ogum, Kaô meu pai Xangô". Vou dizer que se ele não ganhar é marmelada. Vou dizer que a Globo é Beija Flor  e que a Mangueira estava cafona como sempre (gente, verde e rosa não dá, sério, agride a minha visão). 
 
Mas, acima de tudo, haverá uma voz poética - cuja nascente encontra-se em algum canto de minha alma - que, ao extrapolar a barreira do corpo físico, dirá que a águia da Portela estava linda.
 
Voz essa que sairá acompanhada de uma invisível lágrima azul e branca.

E que o Salgueiro não me ouça.
   

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