quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Aerosmith, vinte anos depois

Janeiro de 1994.
Praça da Apoteose. Hollywood Rock.
Show principal: Aerosmith.

Verão. Dezoito anos de idade, terceiro ano da faculdade de Direito. Tênis, bermuda e camiseta. A vida pedia passagem, a imagem refletida no espelho era gente boa e a boca do Steven Tyler engolia o mundo.

Numa época em que celular era artigo de luxo e rede social não passava de uma roda de amigos reunidos na mesa de um bar, todos éramos felizes e vivíamos como se não houvesse amanhã.

Sim, a Jane já tinha uma arma e ela nunca mais seria a mesma (Jane's got a gun). Fazia-se amor até dentro de um elevador (Love in a elevator). Vivíamos no limite da mesada de nossos pais (Livin' On the edge). E sonhávamos que nossos sonhos se tornariam realidade (Dream On).

Aos dezoito anos as desilusões amorosas eram exacerbadas, e eu catei Cryin' chorando.

Outubro de 2013.
Praça da Apoteose.
Show principal: Aerosmith

Primavera. Trinta e sete anos de idade, quinze anos de advocacia. Tênis, calça jeans, camiseta, capa de chuva e óculos de grau. A vida pede reflexão e a imagem refletida no espelho já desistiu de mim.

Como todo mundo, filmei algumas partes do show com o smartphone, tirei fotos e postei (um verbo transitivo direto que não existia em 1994) no Facebook. Somos felizes (afinal, ser infeliz é considerado um crime perante a sociedade atual) e vivemos... bem, vivemos já no amanhã.

Sim, a Jane continua tendo uma arma e sua vida continua não sendo a mesma. Hoje faz-se de tudo: amor, sexo e outras coisas bizarras. Até dentro do elevador. Vivemos no limite do cheque especial. E os nossos sonhos... muitos ainda estão no aguardo.

Aos trinta e sete anos as desilusões amorosas continuam sendo desilusões amorosas. Novamente cantei Cryin'. Mas desta vez não chorei. A água que escorria em meu rosto eram apenas os pingos da chuva. Ou, pelo menos, preferi pensar assim.

O que nos leva a conclusão de que nem tudo muda em vinte anos.
E que algumas coisas não mudarão nunca. Como a boca do Steven Tyler, que continuará engolindo o mundo.

"I was cryin' when I met you
Now I'm tryin to forget you
your love is sweet, misery
I was cryin' just to get you
Now I´m dyin' cause I let you
Do what you do-down on me"

(Eu estava chorando quando te conheci
Agora estou tentando te esquecer
O seu amor é uma doce miséria
Eu estava chorando pra te ganhar
Agora estou morrendo porque te deixei
Fazer o que você faz - pra me deixar mal)

O show? Ora, era o Aerosmith! Alma lavada pelo Rock´n´Roll e pelo dilúvio que caiu na cidade.
Salvem Steven Tyler e Joe Perry!
Eparrei Yansã!
 


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O fim, em três atos.

"O amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação."
"A paixão é uma perturbação da tranquilidade da alma."
                                                                                           (Rubem Alves)

1º ato: O início do fim (fotografia)

um calçadão
uma praia
um banco de concreto

um homem
uma mulher
um só corpo

no céu uma lua
no ar um silêncio
nos olhos tristeza

duas vidas paralelas
um amanhã no passado
beijos imortalizados

dois quereres
e um vazio

um ponto final no pra sempre.

2º ato: O fim (Alice na vida real)

antítese do meu eu
anjo de asas negras
portador da alegria
                   [sem sorriso
ignora o coração

crime perfeito desvendado
veredicto: culpado
por amar demais...

a pena, um hiato
de horas sem minutos
um pra sempre abortado

lágrima filha do abandono
amor afogado pelo esquecimento

uma Alice que não sonha
cria uma rainha de copas invencível
e um coelho branco sem relógios

no fim
o chapeleiro enlouquece.

3º ato: Depois do fim (o nada)

Eu queria te dar o verso mais lindo...
Escrito com as palavras mais belas.
Eu queria te dar um verso sorrindo...
Junto com um buquê de rosas amarelas.

Eu queria te dar o amor mais bonito.

Eu queria...
E tudo que eu tenho agora,
É o nada em minhas mãos vazias,
Para alguém que já foi embora...

Epílogo (sol)

Entre o adormecer da lua
E o despertar do sol
Surgirá uma
                  [menina bonita
Que entrará pela porta da frente
De um novo primeiro verso...

A poesia se renova.
Afinal, para que servem os poetas?




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A desenhista da praia

Quando ela chegou desfilando com sua bonita saia azul de crochê e o chapéu bordado, foi logo providenciando seu assento e sua sombra.

O sol estava escaldante e a pequena sombra redonda emanada da barraca era o local mais valioso da praia.

Após se livrar da bonita saia azul, sentou-se e abriu um pequeno caderno, pousando-o delicadamente sobre seu colo. Retirou de dentro da bolsa de palha um lápis, manuseado pela mão direita, que o pôs para trabalhar.

Rabisco para cima, rabisco para baixo. Da minha cadeira eu a observava e curioso ficava. Seus olhos, ora pousavam no caderninho, ora miravam seu modelo.

Consegui identificar o rosto da criança que cavava um buraco na beira do mar. Um homem sentado de costas, com as mãos para trás apoiadas na areia. Uma mulher com seus longos cabelos negros caídos sobre seu ombro esquerdo. Um vendedor com seus galões de mate e limonada.

O lápis trabalhava freneticamente, retirando o branco das páginas do caderninho, cujas folhas iam sendo viradas conforme o desenho se findava.

Passatempo, hobby, diversão ou profissão. Que mistério guardava a menina desenhista, que ao meu lado retratava os personagens que se apresentavam naquele palco da vida, e que sequer imaginavam que suas caricaturas estavam sendo criadas e materializadas - e talvez eternizadas - num caderninho, cuja morada, quem sabe, o fará vizinho de vários outros caderninhos, contendo vários outros personagens que já se apresentaram em vários outros palcos da vida.

Cinquenta minutos já havia se passado, e o lápis continuava seu itinerário louco, pela estrada branca das páginas do caderno, quando, de repente, o mesmo foi atirado de volta para dentro da bolsa de palha. Ato contínuo, o caderno foi fechado e colocado com cuidado na mesma bolsa, fazendo companhia ao seu amigo que lhe dá conteúdo.

E então, subitamente, sem tomar um banho de mar sequer; sem beber uma água de coco sequer; sem comer um biscoito Globo sequer; a artista de rua se levanta, veste a bela saia azul de crochê, calça as havaianas, pendura a bolsa de palha no ombro e com seu chapéu bordado na mão esquerda, vai embora.

E leva com ela toda a graça daquela praia, cuja essência ficou rabiscada num caderninho, e agora, tal qual uma fotografia em preto e branco, não consigo enxergar mais o colorido que supostamente existia antes de sua chegada. A praia se foi nas páginas daquele caderno.

Nada mais me resta, senão ir embora. E meus olhos fazem às vezes daquele lápis: rabiscam em minha mente o esboço de uma menina desenhista, vestida com uma bonita saia de crochê azul e chapéu bordado, desenhando poesia ao transformar a vida real em imaginação, combinando a arte com o coração, tudo num caderninho, que um dia ficará perdido, talvez, em algum lugar do passado.  

 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ipês amarelos

Quem costuma dar uma espiada nas bobagens que escrevo, já deve ter lido alguma coisa sobre o meu fascínio pelas árvores.

Pois é, acreditem, elas existem. Estão espalhadas por toda a cidade, terra essa que era absolutamente tomada pela mais bela Mata Atlântica, antes de ser devastada pela civilização.

Mas notar a presença das árvores constitui tarefa para poucos. Nossos olhos não estão treinados para contemplá-las. As ignoramos na maioria das vezes, com nossa visão imediatista, tomada com os problemas do dia a dia, fincados no nosso mundo materialista.

Em que momento de nossas vidas deixamos de ver as árvores? Simples. No exato instante em que nos tornamos adultos.

São as crianças que veem as coisas, porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto e admiração. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas - as mais maravilhosas, como as árvores - ficam banais.

Ser adulto é ser cego. E isso é um problema.

Porque os olhos são a lâmpada do corpo. Se os olhos forem bons, o mundo será belo. Se os olhos forem maus, o mundo será feio.

O Paraíso mora dentro dos olhos.

Eu voltei a enxergar as árvores. 

E um dia, quando perguntarem quem eu fui nessa vida, gostaria que alguém dissesse: ele foi um homem que abraçava árvores. E que amava os ipês amarelos...