segunda-feira, 27 de maio de 2013

No Alto da Montanha

Há dias em que nada faz sentido.

A linha reta torna-se uma acentuada curva onde não se enxerga o fim.
As pessoas perdem suas individualidades e tornam-se uma só identidade.
O sol se esconde para não se aborrecer, e as nuvens derramam suas lágrimas em mim.
Para regar o solo e o coração desta cidade.

Há dias em que a tristeza, em nossa alma resolve fazer morada.

Os anjos perdem a asa.
A melodia perde o tom.
As pessoas perdem a graça.
O mar perde o som.

Há dias em que se manter lúcido é o desafio.

Que pode não ser conquistado.
Que pode ser perdido.
Que se ficarmos parados,
Certamente seremos vencidos.

Há dias em que o coração sangra, e o peito parece querer explodir, tamanha agonia da perda de algo que nunca foi seu.

E então, nesses dias, pego carona nas asas da imaginação e voo para encontrar a solidão.

Chego ao alto da montanha.

E é lá, em meio ao silêncio dos pássaros e ao balé das nuvens, que meus pensamentos vão tomando forma.

Que meu coração se encontra com a minha mente, que faz contato com minha alma, que encontra a saída, finalmente, pelas pontas dos meus dedos e se materializa numa folha de papel qualquer.

E um dia essa folha vai voar lá do alto daquela montanha, tal qual um anjo caído.

E quem sabe encontrará alguém. Para quem, o que está escrito, faça algum sentido. E torne o dia menos sofrido.

E o faça encontrar seu refúgio, talvez, no alto de uma montanha qualquer.  

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cabelos negros

O poeta retorna ao lar, após um exaustivo dia de trabalho, onde se disfarça de advogado. Afrouxa o nó da gravata e joga o paletó em cima da cama. Ele sabe que foi um dia igual a vários outros que já passaram e que encontrará outros idênticos no amanhã.

Tudo muito urbano: o calor sufocante, o trânsito estressante, o sanduíche engolido às pressas substituindo o que deveria ter sido um almoço. As horas intermináveis num tribunal lotado de gente de mal com a vida. Tudo o que ele quer esquecer, no momento, é o rosto do notebook, que lhe encara boa parte do dia.
 
O poeta tenta desacelerar. Vai até a janela e mira a escuridão de um firmamento sem estrelas. A lua também preferiu se esconder.

"Ora (direis) ouvir estrelas. Certo perdeste o censo." Olavo sentenciou: basta amar para entendê-las. 
Mas onde o amor, nos dias de hoje? O poeta tem dificuldade de responder a essa pergunta.

O poeta tem dificuldade de responder a várias perguntas.
Por que assistir ao futebol já não lhe dá o prazer de antes?
Por que o jornal do dia já não lhe interessa mais?
Por que ele começou a gostar de salada?
Por que seus joelhos doem?
Por que seus cabelos negros não ficam brancos?

De onde viemos, quem somos, para onde vamos? Qual a razão de tudo isso?

Da janela, ele avista uma bela árvore se sobrepondo à paisagem. Quantas coisas ela já não presenciou, por quantas primaveras ela já não passou, quanta sabedoria ela já não adquiriu ao longo de sua existência?

Ah, se ela falasse! Como seria bom dialogar com esse sábio ser vivo, normalmente ignorado pelos transeuntes, muito ocupados com suas preocupações mundanas, e sem tempo para compreender o espetáculo da natureza que é menosprezado diariamente por seus sentidos limitados.

Talvez ela tivesse as respostas perseguidas pelo poeta. Talvez, não.

As religiões tentam explicar o que a ciência não entende. A filosofia nos confunde. A vida nos cega e nos empurra para um fim anunciado. O poeta já não sabe mais no que acreditar.

A não ser na luz da lua, no brilho das estrelas e na sabedoria das árvores.
E nos seus joelhos que doem.
E nos seus cabelos negros, que não ficam brancos...   

terça-feira, 14 de maio de 2013

Romeu e Julieta

Julieta foi passear no parque e encontrou o seu amor
Quando os olhares se cruzaram, a vida mudou de cor
Os corações dispararam, e não viram o sol se pôr
Então, Romeu a tomou em seus braços e lhe beijou com fervor.

Palavras não eram necessárias, o silencio era revelador
Sim, era real. Ela não era uma atriz, nem ele um ator
Os problemas foram varridos, talvez, para baixo de um cobertor
Nada mais importava, diante da descoberta do amor.

Mas, como num passe de mágica, Romeu evaporou
Julieta adoeceu, emudeceu e chorou
Tristeza e dor, tudo o que em seu peito restou
Sem entender porque, seu amor a abandonou.

Julieta é a princesa mais bela
Serei eu digno do amor dela?
Não passo de um ser errante, e se eu errar com ela?
Não haverá castigo suficiente, nem a mais horrível cela.

Romeu adoeceu, emudeceu e chorou
Por conta de um amor que não viveu, e sim, abandonou
A tristeza, pelo resto da vida o acompanhou
Mas nada se compara com o martírio da dúvida, cujo coração secou.

E se a covardia e a insegurança não tivessem surgido?
E se o fugitivo não tivesse fugido?
E se esse amor tivesse sido vivido?
E se...

E se não existisse o tal do "se"?

Talvez a vida fosse como um texto, numa folha escrita,
Que pudéssemos amassar e jogar fora, se a história não fosse bonita. 

terça-feira, 7 de maio de 2013

Diálogo entre pai e filho V: o botafoguense

João é botafoguense, apesar do pai rubro-negro. Rubro-negro sadio, não doente, graças a Deus, senão o infarto seria o caminho natural das coisas.
 
O interessante é que ele possui mesmo a personalidade do botafoguense. Aquele pessimismo característico, quase covarde dos alvinegros.
 
O jogo pode estar 5 x 0 para o Botofogo, que com 45 minutos do segundo tempo a torcida ainda está apreensiva, ninguém comemora, com medo de uma (im)possível virada, todos aguardando o apito final desesperadamente para soltar o grito de vitória.
 
Que quase sempre é sofrida... assim como a torcida.
 
Assim como aquela frase que define o time: "Tem coisas que só acontecem ao Botafogo." Acho que foi outro João quem disse isso, o Saldanha.
 
E assim, como milhares de botafoguenses, João não liga muito para futebol. Não gosta. Não sabe quando o Botafogo joga ou jogou. Não se interessa em saber se ganhou ou perdeu. Não sabe qual o campeonato que está disputando. Mas possui uma atração irresistível por aquela estrela solitária.
 
O curioso é que isso é inerente a personalidade dele, é algo verdadeiro. Vejamos alguns diálogos:
 
"- Olha pai, o Botafogo está ganhando, quem diria?!"
 
"- João, o Botafogo ganhou do Vasco.
- Pô, pai, esse Vasco deve ser muito ruim, pra perder do Botafogo!"
 
"- João, o Botafogo é o líder do campeonato!
- Ah, vou comemorar não, deve ser passageiro."
 
Parêntesis. E como todo botafoguense, adora quando o Flamengo perde. A derrota do Flamengo acaba sendo mais importante que a vitória do Botafogo, ou até mesmo que a existência do Botafogo. É, acho que o infarto não está descartado. Fecha parêntesis.
 
Acho que sinto até inveja desse desinteresse futebolístico. Pois o apaixonado pelo futebol, pelo seu time, sofre com as derrotas na mesma intensidade com que vibra com as vitórias. Certamente ele vai ser poupado de muitos dissabores ao longo da vida, em função da bola.
 
Até porque, têm coisas que só acontecem ao Botafogo.
 
E coisas que só acontecem comigo.
 
Parabéns, filho! O Fogão foi campeão!!!
PAPAI TE AMA! FOGOOOOOOO   
   

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Diálogo(?) entre pai e filha IV: Sessão de Terapia

- Pai, eu tenho uma pergunta.
 
Não, não começou assim. Ao contrário do irmão, a Manoela não tinha uma pergunta. Quem tinha a pergunta era eu.
 
Explico. Aos sete anos de idade, Manoela começou a apresentar alguns comportamentos, digamos, "destoantes da normalidade" para os padrões atuais. "Caso para psicólogo", sentenciaram os arautos da sociedade moderna. 
 
Na época dos nossos avós, um bom castigo dava jeito. E não custava nada. E ninguém morreu. Todos cresceram e viveram suas vidas.
 
Hoje em dia, é caso para psicólogo. E é caro. E o pior: com ou sem ele, ninguém morrerá, todos vão crescer e certamente irão viver suas vidas.
 
O problema é que hoje existe o tal psicólogo. Não basta a criança ter que fazer natação, balé, futebol, judô, curso de inglês e espanhol. Tem que fazer análise também.
 
Dasabafos à parte, os comportamentos ditos "destoantes da normalidade", no caso, eram uma baixa autoestima e ciúme excessivo do irmão. Fora alguns ataques de pirraça quando contrariada. Ah, e tem as orelhas. Não podem ficar de fora, o cabelo tem que tapá-las. Não sei se isso é um comportamento "destoante da normalidade", mas já que vai fazer terapia, aproveitamos para embutir no pacote, pelo sim, pelo não.
 
É isso mesmo que você leu: baixa autoestima, ciúme e complexo com as orelhas.    
 
Fico imaginando se eu fosse criança nos dias de hoje. Tímido, calado, introspectivo. Meus melhores amigos eram os livros e meus botões. Acredito que seria caso pra psiquiatra.
 
Mas, enfim, lá fomos nós, eu e a mãe dela, atrás da psicóloga.
 
Sempre nutri uma curiosidade pelas sessões de terapia. Pensei até em fazer. Não que eu ache que tenha algum comportamento "destoante da normalidade". Pode ser que eu tenha e não saiba. Também não tenho interesse pelo autoconhecimento (eu sou isso mesmo que eu sou e pronto, paciência). É pura e simples curiosidade.
 
Será que tem um divã? Será que o psicólogo fica sentado, mudo, com semblante sério anotando coisas a meu respeito num caderninho? Será que ele diz no final "nosso tempo acabou"? O preço das sessões, contudo, sempre falou mais alto do que a minha curiosidade.
 
E agora estava eu lá, a caminho de uma analista. Não para mim, mas para minha filha de oito anos. Ah, as coisas que a gente não faz pelos filhos!
 
Não, não tinha um divã. Nem um caderninho. E ela não era muda, pelo contrário, falava bastante. E no final não disse "nosso tempo acabou". Disse: "a consulta custa tanto."
 
Voltando a tal pergunta que eu tinha no inicío do texto.
 
- Filha, como foi a sua sessão com a psicóloga?
- Pai, não posso falar, né, é sigiloso!
 
Pois é. É sigiloso. Ainda por cima eu não posso saber nada que se passa lá no consultório da analista falante.
 
Só me resta torcer para que Freud explique e melhore (Oxalá cure) os comportamentos ditos "destoantes da normalidade" da minha filha. Que ao final da terapia ela possa, pelo menos, usar um rabo de cavalo.
 
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PS: Esta crônica foi escrita em fevereiro e o cronista precisa fazer justiça. O negócio funciona. Com menos de três meses de terapia, minha pequena está bem mais calma e extrovertida. As orelhas, contudo, permanecem tapadas. E continuo sem saber o que se passa na sessão. Mas recomendo. De repente, quando ela tiver alta, quem sabe não será a minha vez? Já estou com inveja...