segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Diálogo entre pai e filho VI: o segredo terrível

- Pai, eu tenho uma coisa muito séria para te contar.

Pois é. O tempo foi passando e levando com ele as frases interrogativas do João. Agora, ele não faz mais perguntas. Ele já traz o caso pronto. Com início, meio e fim.

Não sei. Apesar da dificuldade que eu sempre tive para dissertar sobre as curiosidades mundanas do João, o fato é que eu me divertia com elas. E exercitava minha criatividade em busca de respostas tão sem sentido quanto as perguntas.

Ou seja: um papo de loucos, esses diálogos, sempre rendendo bons momentos.

Mas o tempo passou e o diálogo se transformou num monólogo. Só o João fala. E eu - ai de mim! - tento acompanhar o raciocínio do menino.

Tento. Juro que tento. Mas quando ele começa a falar sobre seus feitos nos games, eu viajo na maionese (alguém ainda usa essa gíria?). O fato é que os jogos do computador estão cada vez mais complicados. Eu olho para a tela do notebook, quando ele está jogando, e não entendo nada. NADA!

Outro dia fui apresentado ao Social Empires, jogo do Facebook.

- Pai, é muito simples, você comanda o exército da cidade, então é só orientar os homens, não deixando ninguém se machucar, e encarar os exércitos inimigos. É só ter estratégia!

Não entendi nada.

Ia contar a ele que, na sua idade, eu só jogava Pacman e River Raid no Atari, mas achei melhor deixar pra lá.

Enfim, os monólogos do João estão cheios de estratégias das quais eu desconheço e sequer consigo me lembrar para descrever nestas crônicas.

Mas teve uma história que me fez rir. E me fazer rir às oito horas da manhã, parado no engarrafamento do Rebouças, não é pra qualquer um.

- Pai, eu tenho uma coisa muito séria para te contar.
- Fala, filho.
- Sabe essas mulheres lindíssimas, que nos deixam completamente apaixonados, nas nuvens e conquistam os nossos corações?
- Sei.
- Elas escondem um segredo terrível!
- ????
- Uma vez por mês elas sangram e usam um absorvente na calcinha. Que nojo!

É. Tem monólogos que salvam o dia.   

domingo, 18 de agosto de 2013

A partida de buraco

Partidas de buraco, com (ou sem) bebida alcóolica, costumam não dar muito certo. Se os jogadores são casais, então, complica ainda mais. Se o casal forma a dupla, danou-se.
 
Mas neste conto, quem brigou não foi nenhum casal. Foram os homens. A coisa se deu mais ou menos assim:
 
Breno e Joana convidaram um casal de amigos, Vânia e Léo, para uma partidinha de buraco.
 
Não, não é bem assim. Joana e Vânia é que são amigas de longa data. Se conheceram na escola e nunca mais se desgrudaram. Mas os maridos nunca se deram.
 
O Léo foi contrariado. Realmente não ia com a cara do Breno.
 
- Sujeito arrogante. Se acha o bom, o sabe-tudo. Sobre qualquer assunto. Como todo engenheiro. Eita raça metida!
- Ah! amor, não exagera...
- Exagerado, eu? Lembra daquela viagem, em que ele discutiu com a guia do museu? Que ela estava errada quanto a data de nascimento do terceiro filho de D. Pedro I? Por Deus, Vânia, por que uma pessoa vai querer saber ao certo a data de nascimento do terceiro filho de D. Pedro I? E brigar com a guia na frente de todos os turistas, por causa disso? Ave Maria!
-Ele só estava tentando ajudar.
-Sei.
 
E lá foram eles para a tal noite de carteado.
 
Cumprimentos de praxe:
 
- Vânia, como você emagreceu!
- Você acha mesmo, Joana? Ah! são seus olhos.
- E aí Léo, beleza?
- Até agora, tudo.
 
E começa o jogo. Os casais formavam as duplas. A coisa estava indo bem, até o Léo se irritar. O motivo: Breno comprava todas as mesas.
 
- Sem querer ser desagradável, Breno, mas a probabilidade de todas, e quando digo todas, eu quero dizer TODAS, enfim, a probabilidade de todas as cartas jogadas fora servirem pra você, cara, é ZERO!
- Meu amigo, por incrível que pareça, você tem razão.
- Então, para de comprar a porra da mesa!
- Calma, amor, é só um jogo.
- Ah!, não liga não, o Breno é assim mesmo, ele sempre compra a mesa toda, diz que é uma tática, não é, benzinho?
- Exato, Joaninha querida, mas nem todas as pessoas conseguem alcançar este raciocínio, sabe como é, uma questão de QI.
 
A situação estava ficando tensa. Léo entornava um copo de cerveja atrás do outro. Na décima vez em que o Breno pegou a mesa, ele não se aguentou.
 
- Tática, QI, seja lá o que for, o fato é que você já está usando as duas mãos para segurar suas cartas. Mais uma rodada e você, meu caro Einstein, estará com metade do baralho na sua mão. Se você não percebeu ainda, as cartas para comprar estão acabando, e alguém vai ficar sem o morto.
- Arrá! Vânia, seu marido está evoluindo. No campo da inteligência, quero dizer. Joaninha, meu amor, pelos meus cálculos você vai bater agora e os nossos rivais ficarão sem o morto.
 
Dito e feito. Joana bateu e pegou o morto. E quando Breno fez menção de pegar o outro morto para colocar no meio da mesa, Léo deu um pulo e segurou sua mão.
 
- Se você ousar tocar no meu morto, vai dar merda!
- Leozinho, meu amor, solta a mão do Breno!
- Que é isso, meu camarada, as cartas para comprar acabaram, pela regra o morto tem que entrar...
- As cartas acabaram porque você comprou TODAS as mesas e trancou o jogo de todo mundo.
- Mas a regra não me proíbe de comprar todas as mesas.
- Mas o bom-senso, a civilidade, as regras de boa-convivência, a educação e o cavalheirismo proíbem. Entretanto, você desconhece estas palavras, não é mesmo Breno, porque pessoas como você...
- Peraí, você está me ofendendo dentro da minha própria casa? Pessoas como eu o quê?
 
Nesta altura os dois já estavam de pé. Metade das cartas já tinha caído da mesa. O jogo já era.
 
Tensão. Saia justa. Climão.
 
A Vânia mordia suas cartas. A Joana tentava convencê-los a trocar a cerveja por um suquinho de maracujá.
 
- Pessoas como você..., repetia Léo.
- Fala, Léo, como eu o quê?
- Pessoas como você que decoram as datas de nascimento dos filhos de D. Pedro I, tem todo o direito de comprar todo o lixo de um jogo de buraco!
 
Silêncio total.
 
Depois de algum tempo, Breno se sentou. Léo também. Beberam um gole grande de cerveja. Um não tirava os olhos do outro. Os semblantes fechados.
 
Joana, ainda com a jarra de suco de maracujá na mão, quebrou o silêncio.
 
- Queridos, tá passando um show ótimo da Ivete Sangalo na TV, vamos ver?
- Adoro Ivete!, emendou Vânia, já puxando Léo para a poltrona em frente a TV.
 
Terminaram a noite vendo a Ivete, com a Vânia e a Joana cantando e dançando todas as músicas. Breno e Léo sentados e calados.
 
Se despediram. Os caras com um frio "falou", com o qual o outro retrucou "valeu".
 
No carro, Vânia perguntou ao Léo o que ele queria dizer com aquilo.
 
- Sei lá, foi o que veio na cabeça, na hora.
 
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Quando Léo e Vânia saíram, desconfiado, Breno foi para o computador.
 
Digitou no Google: jogo de buraco regras. Não, não achou nada relacionado a quem teria direito de comprar todo o lixo.
 
- Que Diabos o Léo queria dizer com aquilo?
 
A pergunta martelou em sua cabeça durante muito tempo. E Breno não conseguiu encontrar uma resposta.
 
Mas, pelo sim, pelo não, a partir daquele dia, nunca mais comprou uma carta da mesa sequer.   
 
 
 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Quando eu era menino pequeno...


Quando eu era menino pequeno, eu queria ser igual ao meu pai.

Queria ser Flamengo.

Queria dirigir um opala bege.

Queria usar terno e gravata.

E óculos.

 

Quando eu era menino pequeno, eu queria ser igual ao meu pai.

Queria ser espírita (sequer sabia o que era isso).

Queria sentar na cabeceira da mesa.

Queria ter uma casa grande com dois andares.

E uma garagem.

 

Quando eu era menino pequeno, eu queria ser um pai igual ao meu pai.

Que ama com a mesma intensidade seus diferentes filhos.

Que é amado com a mesma intensidade por seus diferentes filhos.

Que dá a atenção e o carinho que cada um deles necessita.

 

Hoje eu me tornei um homem grande.

Sou Flamengo, espírita, uso óculos, terno e gravata.

E tento ser para os meus filhos pelo menos metade do que meu pai foi e é para mim.

 

Pois se eu sou o que eu sou hoje, é só porque eu queria ser igual a ele.
 
E continuo querendo ser. Sempre. O meu espelho, o meu guia, o meu farol.

O meu pai.
 

A cabeceira da mesa eu dispenso. Porque será sempre dele.

 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Inverno sombrio


O dia: uma segunda-feira em meio ao inverno.

A hora: por volta das nove da manhã.

O lugar: cadeira do ônibus da linha 226 (Grajaú / Carioca).

Os personagens: este pobre narrador e a mulher ao seu lado.

O fato: Quando o celular da mulher sentada ao meu lado começou a cantar “Pre-pa-ra, que agora é hora... ” pressenti que o que viria depois não seria muito agradável. Mas não esperava nada igual a isso.


“ Alô. Quié Vanessa, não vem me encher o saco de novo com essa história de fotografia para modelo. Esse cara não presta, não vale nada, tá de caô pra cima de você. Eu já te falei pra você que não vou deixar e pronto. Quê? Teu pai? Tu não vai fala nada pro imprestável do teu pai, olha aqui menina, aquele cachaceiro não serve pra nada, tu mermo já falou isso e agora vai pedir pra ele? Como é tu já pediu? Ele deu ?! Mas tu é muito abusada mermo, né ? Mas eu vô mete a mão na cara deste cafajeste, pagá a tua pensão quié bom nada, aí ele acha que tem autoridade pra te deixá fazer o que não pode, desgraçado ... e escuta aqui menina tu não vai tirar essa foto tá me ouvindo... Tu quer dinheiro pra quê? Pra pintá o cabelo de louro? Tu endoidô garota? Tu é criola, vai pintá esse pichaim de louro, vai ficar com cara de quenga!!! Alias pra que qui é mermo essas foto ?

Vanessa, eu vô sair mais cedo do trabalho, tu me espera em casa que a gente vamo conversar sério... e avisa pro infeliz do teu pai que vô cobrar a pensão do desgraçado na justiça. E tu tá de castigo!! Um mês no mínimo sem baile funk!!”

 
O fim (enfim): Quando ela desligou o celular, ameaçou falar alguma coisa comigo, mas dei um pulo da cadeira, levantei e desci do ônibus.
 
Eram uns dois pontos antes do meu, mas a caminhada iria me fazer bem.