Você está sentado no ônibus, mochila no colo e um livro aberto sobre ela.
A dama de vestido vermelho adentra o coletivo. Cabelos negros, pele alva. Linda!
Ela passa pela roleta e olha as cadeiras. Várias vazias. Muitas opções. Então, ela te vê. E caminha em sua direção. Senta ao seu lado, coloca a bolsa no colo e abre um livro.
Pronto: a cadeira em que vocês estão sentados se torna o Real Gabinete Português de Leitura.
Mas você não consegue ler mais nada. Fica ali olhando para a página do livro e de vez em quando repousa o olhar nas mãos dela, as longas unhas pintadas de vermelho combinando com o vestido e realçando sua pele branca.
Sua imaginação ganha asas, enquanto sua coxa vai roçando na dela ao longo da viagem, conforme o ônibus vai sacudindo.
- Já li este livro.
- Você gosta de Ken Follet?
- É meu romancista favorito.
- O meu também!
- Os Pilares da Terra. Pra mim, o melhor.
- Pra mim também! Eu AMO este livro!
- Código Explosivo: de tirar o fôlego.
- Esse eu não li. Me conta do que se trata?
- No seu apê ou no meu?
- Soube que este livro vai virar filme.
- Jura? Então vou terminar logo, não consigo ler o livro depois de ver o filme.
- É só não ver o filme.
- Não consigo, AMO cinema.
- Eu também. Já viu o último filme do Woody Allen?
- Não. Eu AMO Woody Allen!
- Comprei o DVD. Tá a fim de assistir?
- No seu apê ou no meu?
- Coldplay.
- Hein?
- A banda preferida do Ken Follet. Também gosto muito.
- Eu AMO Coldplay.
- Eu tenho todos os CD´s. E o último DVD com a turnê atual.
- Adoraria assistir.
- No seu apê ou no meu?
Você percebe, subitamente, que seu ponto está chegando e ela já virou cinco vezes a página do livro, enquanto você continua olhando a mesma página, desde que ela sentou ao seu lado.
Você pensa que ela deve estar te achando um idiota, quando você se dá conta que está - ou estava - lendo um livro de poesias. Aí você tem certeza que ela está te achando um idiota, afinal, quem lê poesia hoje em dia?!
Você sofre quando percebe que em alguns segundos sairá do ônibus e nunca mais verá a dama de vermelho. E ela se tornará uma prazerosa lembrança que o tempo se encarregará de apagar da sua memória.
Ou não.
- Com licença.
- Já vai?
- Chegou o meu ponto.
- Que pena!
- Foi um prazer ler ao seu lado.
- Podemos repetir.
- No seu apê ou no meu?